Giovana soma medalhas no esporte e vence as barreiras da paralisia cerebral

3 março 2020 | Histórias do Proac 2019/2020

Texto e fotos: Alice de Carvalho Leal

 

Rozenilda Barbosa já contava quarenta e duas semanas e três dias de gestação quando Giovana avisou que chegara a hora de nascer. A gravidez, até ali, havia transcorrido com tranquilidade. O parto não. Faltou oxigênio e a menina acabou engolindo líquido amniótico. Foi preciso quase um mês de internação para que a recém-nascida conseguisse, enfim, receber alta.

A mãe levou a filha para casa sem nem mesmo suspeitar de que poderia ter algo errado. Mas tinha.

Agendou uma consulta no posto de saúde para acompanhar o crescimento da menina: o primeiro contato com os médicos após o nascimento de Giovana. O pediatra, então, questionou se Roze sabia o que a filha tinha e como seria o desenvolvimento dela.

– Eu falei que não, então ele começou a me explicar que ela ia demorar a andar, a falar, que ninguém sabia o que vinha pela frente…

“Desnorteada”, como ela mesma descreve, perguntou o que estava acontecendo com a filha.

– Ele me disse que as complicações durante o parto foram erro médico, porque passou muito do tempo da Giovana nascer. Eu saí da maternidade sem saber que minha filha tinha paralisia cerebral.

O diagnóstico veio acompanhado da negação. Roze não conseguia aceitar que a filha não teria um desenvolvimento igual ao das outras crianças e dependeria da mãe até mesmo para comer. Precisou abrir mão do trabalho para se dedicar integralmente aos cuidados de Giovana. Na rua, ouvia os mais diversos comentários: “leva na igreja, ela vai andar”.

A dificuldade que passou no início enche os olhos de lágrimas ainda hoje.

– O problema é que quando não aceita, você não vive bem. Eu vivia triste, via as outras crianças andando e minha filha com o pescocinho caindo.

Nem em sonhos Roze poderia imaginar que anos depois a filha iria travar batalhas mundiais no esporte. Giovana prova, dia após dia, que não há barreiras para sua vontade. Hoje, alcança altas posições no pódio da vida e também da corrida adaptada.

É parte da equipe de Atletismo Paralímpico da Secretaria de Esportes de Ribeirão Preto e soma títulos no RaceRunning, corrida adaptada com uma bicicleta para pessoas com deficiência. A mãe, sua grande companheira, é só orgulho.

– Eu nunca imaginei que ela fosse chegar tão longe. Mas depois que entrou no esporte, a vida dela mudou! Não fica mais doente, é super ativa e forte.

História do Dia Ribeirão Preto

Com quatro meses de vida, Giovana começou a ser estimulada. O objetivo da mãe era oferecer a melhor qualidade de vida possível para a filha. Ela fazia acompanhamento com fonoaudiólogos, além de terapias de estimulação.

Aos três anos, passou a frequentar a creche. A mãe foi resistente. Tinha receios.

– Ela não sentava, não andava, então eu deixava na creche por duas horas e voltava correndo para buscar.

Quando completou quatro anos, Giovana conseguiu a primeira cadeira de rodas, apesar da resistência da mãe, que tinha medo. Era uma cadeira simples, feita de madeira, sem muitos apetrechos e segurança. Por isso, ela vivia caindo e sempre se machucava. Somente um ano depois, quando completou cinco anos, Roze percebeu que não poderia mais relutar.

– Foi quando eu comecei a aceitar e aprendi a cuidar dela. Se não andar, ela vai ser minha filha do mesmo jeito. E quando você aceita seu filho do jeito que ele é, tudo melhora. Então, bola para frente!

Elas só não esperavam enfrentar rejeição dentro do ambiente escolar. A mãe conta que logo no primeiro ano do Ensino Fundamental, a menina sofreu preconceito dos alunos e até mesmo da professora. Ela relata que Giovana foi colocada virada para a parede e, assustada, teve uma crise de choro. Em seguida, foi retirada da sala. Ficou uma semana em casa e não queria mais frequentar a escola.

– Além de tudo isso, ela nunca teve cuidador enquanto estudava. Precisava prestar muita atenção nas aulas e guardar tudo na cabeça, porque não conseguia escrever. Mas Deus resolveu colocar uns anjos na nossa vida.

Por conta da paralisia cerebral, ela não consegue falar, mas sempre dá um jeito de se comunicar com sons, gestos e nas redes sociais, com o auxílio do celular. Os movimentos também são bem restritos. Mas nada que a impeça de ter uma personalidade cativante.

Simpática, a menina conquistou amigos, que cuidam dela desde sempre. A família prefere chamá-los de “anjos”.  Dão almoço, levam ao banheiro e ajudam durante as aulas. No quarto ano da escola, conheceu a melhor amiga e estão juntas até hoje. Somente no final do ano passado, faltando dez dias para as aulas acabarem, arrumaram uma cuidadora.

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Aos treze anos, a professora de Educação Física apresentou a ela o esporte. Chegou um dia em casa dizendo que iria competir em São Paulo jogando bocha adaptada. Sem entender, a mãe questionou. A menina apareceu com um cone feito de linha de costura e uma bola de areia.

– Eu falei: Giovana, você não consegue fazer isso. Ela, com o jeitinho que tem de se comunicar, respondeu: consigo. A professora veio conversar comigo e eu insisti que ela não conseguia.

As regras da bocha adaptada são semelhantes à comum. É preciso que a bola chegue o mais perto possível do cone para vencer. Determinada, Giovana passava todos os dias treinando para os Jogos Escolares Regionais. O resultado, é claro, não poderia ser diferente: venceu a competição em primeiro lugar, foi convocada para representar São Paulo nas Paralimpíadas e também subiu ao lugar mais alto do pódio.

As vitórias começavam a se acumular.

No ano seguinte, foi novamente aos Jogos Regionais, mas ficou em segundo lugar. Então, a professora, que acabou se tornando treinadora e parte da família, conheceu a modalidade RaceRunning, uma corrida para atletas com deficiência que utiliza uma espécie de bicicleta sem pedais. Com um andador adaptado, fizeram vídeos da Giovana correndo e enviaram ao técnico da Seleção Brasileira.

– Ele falou que a gente deveria arrumar uma bicicleta para ela treinar que ia dar certo. A professora virou para mim e disse: ‘Mãe, ela ainda vai ser a melhor do mundo!’.

Conseguiram uma bicicleta adaptada para que ela pudesse treinar. E treinou. Treinou muito. Passou novamente pelos Jogos Regionais e Paralimpíadas e conseguiu atingir um tempo muito bom na corrida. Não demorou até que o desafio ficasse ainda maior: Giovana foi inscrita em um campeonato internacional, com atletas dos cinco continentes.

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28 de abril de 2019. Data que ficará marcada para sempre na vida de Giovana. Ou melhor, da atleta paralímpica Giovana Gabriele Lima Barbosa. Aos 16 anos, fez os adversários comerem poeira e quebrou o recorde mundial da categoria. Completou a prova em apenas 25 segundos e 10 centésimos, deixando para trás a marca de 29 segundos e 3 centésimos da atleta sueca.

Passou, então, a fazer parte da equipe de Atletismo Paralímpico da Secretaria de Esportes de Ribeirão Preto. Ainda no ano passado, Giovana quebrou o próprio recorde durante o Campeonato Brasileiro.

Hoje, a mãe é quem treina a filha todos os dias, com auxílio e monitoramento da professora de Educação Física. Giovana faz academia para fortalecer os braços e as pernas e chegar ainda mais longe. A expectativa, agora, é que ela vá competir no exterior ainda esse ano.

Com o dinheiro da premiação do último campeonato, comprou um celular, que se tornou um hobby. Para conseguir teclar, apoia o aparelho no assento da cadeira de rodas e digita.

– A Giovana tem Instagram, Facebook e WhatsApp. E o celular tem senha, viu? Ela é muito inteligente, eu não faço nada, só tiro as fotos. Ela edita, escreve os textos da legenda e posta sozinha.

Por meio das redes sociais, compartilha as experiências, competições, treinos e até mesmo as festas que frequenta. Fica até altas horas da madrugada conversando com amigos de todo o país e se tornou exemplo de superação.

– Os cadeirantes mandam mensagem dizendo que se inspiram na história de vida dela.

Durante a conversa na sala da academia onde treina, Giovana foi até um dos espelhos para checar o visual. Admirando de longe, a mãe não esconde o sorriso por trás das lágrimas.

– O sorriso dela encanta, né? Todo mundo que conhece ela se apaixona. Foi assim que nós conseguimos realizar o sonho da festa de 15 anos dela.

A preparação para o tão esperado aniversário começou três anos antes, em 2014. Para conseguir levantar verba, venderam rifas e doces. E a menina vaidosa fez uma promessa: se a festa realmente acontecesse, doaria parte dos longos cabelos que sempre amou cuidar.

As pessoas se mobilizaram através das redes sociais.

– Tinha gente que nem conhecia a Giovana ajudando. Uma pessoa deu a mesa do bolo, outra os refrigerantes, as flores e assim as doações foram aumentando.

A festa durou dois dias com mais de 250 convidados. A debutante entrou andando com apoio do tio e do pai. Dançou valsa, aproveitou a balada e curtiu a realização do sonho. Tempos depois, a promessa também foi paga e Giovana doou as madeixas para confecção de perucas.

Terminando o Ensino Médio, a ideia é fazer faculdade. Apesar da orientação ser voltada ao esporte, a adolescente sonha com o jornalismo. Uma coisa é certa: seja qual for o caminho que escolher, vai percorrer com a mesma força de vontade que a trouxe até aqui.

2020 já começou marcado por grandes conquistas. Logo no início do ano, Giovana ganhou uma cadeira motorizada, que permite que ela se locomova para todos os cantos sem precisar de ajuda. É ela quem controla todos os movimentos.

– Levo ela na rua e às vezes ouço: ‘Tadinha’. Pergunto: ‘Tadinha por que? Minha filha é muito feliz e faz tanta coisa que você nem imagina!’

Roze, que é parte de toda a trajetória da filha, não esconde a alegria.

– Hoje tenho maior orgulho em falar: minha filha é atleta!

 

 

Fotos 2 e 3: arquivo pessoal

 

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