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Quanta história esconde a longa barba do Papai Noel?
Antônio se tornou Noel por acaso. A filha trabalhava em uma escola e estavam precisando de um bom velhinho. Se candidatou e encantou pequenos e grandinhos.
Foi 17 anos atrás. E, desde então, ele não passa um único Natal sem vestir a roupa vermelha e sair por aí levando o que? Presentes? Ele até entrega, quando é solicitado. Mas explica para a criançada – e para os adultos também – que o mais importante não está dentro de pacotes.
– O mais importante é a mensagem. O espírito de família, união. Esse é o espírito do Natal.
Desde que começou a carreira como Noel, Antônio Marini, o Toninho, o faz de forma voluntária, como uma troca do bem. Visita creches, asilos, casas, escolas e, como retribuição, pede apenas que os visitados arrecadem mantimentos.
Leva tudo para casa, organiza cestas, com o apoio da esposa, e sai distribuindo para quem precisa, na cidade de Sertãozinho, onde vive. São tantas entregas que perde a conta.
– A nossa casa fica cheia de pacotes. Nem dá para andar na cozinha.
Conta a esposa, Lídia Marini.
Para quem sentiu muitas vezes a barriga doer de fome, levar alimentos a quem precisa tem gosto de alegria. Nenhum pão foi tão gostoso quanto aquele da infância, que achou no chão.
– A gente gostava quando tinha terço na fazenda porque no outro dia comia o que tinha ficado das velas. Eu tinha uns quatro anos. Achava que era uma coisa diferente de comer. Aquele pão que achei na estrada… foi o pão da vida. Estava com tanta fome…
Desde que pôde comprar mantimentos, decidiu que comida seria o mais importante em casa. Na sua e na de quem possa ajudar.
– Tendo o alimento, a gente não precisa de muita coisa para viver.
O Natal na casa do Antônio menino não tinha decoração, presentes, luzes. A mãe se esforçava para fazer uma macarronada, em meio à carência de tudo. O refresco era limão na água. E pronto.
Ele, que só teve um sapato aos 18 anos, foi conhecer o sentido de Natal já casado, com sua família. Até então, a rotina era pular de um lugar a outro, acompanhando o pai, que era “retireiro”, como diz. Conta, enfático, que se mudaram 32 vezes entre a infância e adolescência. O pai bebia muito, se envolvia em brigas e, muitas vezes, chegavam numa fazenda e iam embora no mesmo dia.
Assim como o sapato, só teve cama quando já era adulto. Junto com os irmãos, tinha que dormir onde desse.
– E eu nem estou te contando tudo. Se for contar os pormenores…
A dureza da vida não o endureceu por dentro.
– A única coisa que a gente tem que pedir para o Papai do céu é sabedoria. Tendo sabedoria, você consegue outras coisas. Se não, você sofre, porque vai escolher as coisas erradas.
Nasceu na região de Monte Azul Paulista, cidade de Marcondésia. Eram em seis irmãos, todos em escadinha de idade. Quando Antônio tinha quatro anos, porém, e o mais novo dois anos e meio, a mãe ficou doente. Passou nove meses internada e o pai precisou encontrar quem ficasse com os filhos.
– Foi cada um para um lado.
Antônio foi para a casa de uma família em Campinas. Como era muito apegado aos pais, não se adaptou. Conta que uma noite houve uma festa na casa e ele, sentido dores na barriga, começou a chorar.
– Acharam que era birra. Daquele dia, não me quiseram mais. Me trocaram pelo meu irmão mais novo.
Ele foi, então, para o sítio de um tio, em Severínia. Enxerga na mente a cena: o pai vindo a pé pela estrada de terra, para lhe buscar, seis meses depois. Os olhos enchem de água.
– Imagina minha alegria? Eu pulei assim, para abraçar.
Voltaram de trem até Taíuva, mas como já era noite, tiveram que andar a pé 10 quilômetros até chegar na fazenda, onde viveriam com a mãe e outros dois irmãos. O pai, alcoolizado, caiu de uma pinguela e arrastou o menino junto. Chegaram molhados, mas chegaram.
– Foi uma alegria tão grande, sabe?
Foi crescendo entre uma cidade e outra, entre muitas idas.
– Móveis a gente nunca teve. Era com caixa de batata. Não conseguia criar uma galinha, não dava tempo de plantar nada.
E nem de estudar. Só pôde frequentar a escola até o segundo ano. O suficiente para aprender – e gostar – de escrever e ler.
Sem “estudo”, como fala, aprendeu a profissão de torneiro mecânico e trabalhou em grandes empresas, antes de comprar seu próprio torno.
Morou em Sertãozinho dos 14 aos 17 anos, mudando quatro vezes de casa nesse período. Depois, em 1966, a família se mudou para São Paulo. O pai sofreu um acidente, perdeu o movimento das mãos e cabia aos filhos sustentarem a casa.
– A casa não tinha banheiro, nada.
Na capital, Antônio começou trabalhando na limpeza de uma fábrica. Também era responsável por queimar os parafusos produzidos, com fogo e óleo quente. Um dia, surgiu a possibilidade de começar a trabalhar no torno, em uma área que ninguém queria. Aceitou e foi aprendendo. Mesmo depois dos 18 anos, porém, o patrão não queria pagar o salário além de aprendiz. Conseguiu trabalho em uma outra fábrica e foi subindo de cargo.
Até se casar com Lídia, em 1977, não tinha uma casa, uma cama. O dinheiro era para o sustento da família (a mãe morrera em 73) e para festas. Com a esposa, entendeu o sentido de lar e não quis mais viver de outra forma.
Vieram para Sertãozinho em 1989, já com os quatro filhos. Antônio se aposentou como torneiro, mas nunca deixou de trabalhar. Em 2003 comprou o próprio torno, que fica na garagem de casa, e ainda hoje faz trabalhos. Conta que, quando a pessoa está apertada, acaba fazendo de graça. Pede, no máximo, um alimento para doação.
– Você tendo sabedoria, vai ser uma pessoa generosa, caridosa, com amor na sua vida, naquilo que Deus der para você.
Logo quando se tornou Papai Noel foi convidado para receber as crianças na praça de Sertãozinho, pela prefeitura. Chegou pelos ares, de helicóptero, com pompa e euforia.
Ali, entre as histórias que marcaram a trajetória, percebeu que nunca mais deixaria de vestir o gorro vermelho. Conta do menino que pediu para ganhar o campeonato que iria disputar no dia seguinte. “Não vai lá jogar só para você. Tem que jogar em equipe, combinar com os colegas”. No outro dia, o campeão voltou para dizer que a tática havia dado certo.
À menina, que pediu para passar no vestibular, ele orientou que fosse para casa estudar. Teve também aquela que pediu para os pais não se separarem. “Quando seu pai chegar do serviço, dá um beijo nele, fala que ama e que não quer briga e nem separação”.
É um Noel feito de realidade. Conselhos baseados em muita vida vivida. Fusca como trenó, casa cheia de bichos de todo tipo no lugar nas renas, torno mecânico ao invés de fábrica de brinquedos.
– Eu passo a mensagem da espiritualidade. O presente não é o Papai Noel, é o papai e a mamãe que trabalham, então, tem que pedir que eles tenham emprego. Vou falando assim.
Não segue nenhuma religião, mas é cheio de fé. Leu a Bíblia e diz que encontra ali a tal “sabedoria” tão necessária.
– Eu já questionei até a Bíblia. Se é de Deus, por que é tão difícil de entender?
Até a esposa, companheira de 40 anos, se surpreende quando vê Antônio se transformar em Noel.
– Não é o seu Antônio mais. Fico emocionada.
Se sente feliz? E ele abre um sorrisão antes de responder.
– Me sinto feliz, não tenho mágoa, rancor. Eu combati o bom combate e me sinto um vencedor.
Neste ano, tem Natal de muita entrega. A barba já está bem grandinha e até 2020 não será cortada.
Quanta história esconde a barba do Papai Noel? A de Antônio guarda trajetória que fala de dureza, mas também de muita sabedoria.
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Parabéns Antônio, isso mesmo, palavras simples, que senhor continue abençoando à cada momento de sua vida e pêlo gesto simples de mostrar que não precisa de muito para ser feliz ???