Há 25 anos, Selma é voluntária no Hospital de Câncer de Ribeirão Preto

3 novembro 2020 | Gente que inspira

Esta história foi narrada pela jornalista Daniela Penha. Para ouvi-la, é só clicar no play:

 

Vale a pena ler de novo! História publicada pela primeira vez em 2 de setembro de 2019! 

 

O convite veio despretensioso. Uma amiga soube que precisavam de voluntários para um trabalho com pacientes em tratamento contra o câncer e decidiu convidar algumas pessoas. Selma estava entre elas. Aceitou de imediato.

Começaram em 1994. Ela conta que, na época, a Fundação SobecCan, que administra o hospital, terceirizava serviços para a Santa Casa e já planejava ter um espaço próprio, ideia que se concretizou pouco depois, no Hospital de Câncer de Ribeirão Preto.

A instituição, sem fins lucrativos, realiza cerca de 700 atendimentos gratuitos ao mês, mantida com a ajuda da comunidade e da iniciativa privada.

Selma Ceda Carvalho acompanhou toda essa trajetória. Conta a história do hospital com detalhes que só quem participou de cada fase pode ter na memória.

– Eu fiz Bodas de Prata aqui este ano.

Há 25 anos, ela reserva grande parte de suas horas para o trabalho voluntário. Hoje, coordena todo o serviço de voluntariado, que conta com 120 pessoas, cinco setores de atuação e, conforme explica, é responsável por cerca de 50% dos valores gastos para a manutenção do hospital e tratamento dos pacientes.

 

 

Os 80 anos que irá completar nesta semana ficam camuflados em meio à disposição que nunca acaba. Toma um remedinho para pressão e só. Diz que não tem uma dorzinha sequer, mesmo quando lava todas as janelas de casa. É um tanto “extravagante”, como fala. Passa da conta, vez em quando.

– Eu começo a fazer as coisas e não paro.

Todos os dias, antes de ir para o hospital, ela faz questão de cuidar da casa, onde vive com o marido e um filho: lava, cozinha, limpa.

– Eu levanto cedo, cuido de tudo.

Hospital do Câncer de Ribeirão Preto

Depois de tantos anos, a dinâmica já se tornou rotina. Vai ao hospital de segunda a quinta-feira. Chega por volta das 13h30 e fica até 17h, 18h, 19h30: o tempo que for preciso para organizar tudo.

– Eu me sinto muito bem. E gosto de tudo o que eu faço.

Não esconde que chega a ser chata para que tudo saia da melhor forma. Até no falar é prática. Fala rápido, com poucas e boas palavras.

– É meu jeito. Sou carinhosa, mas firme. Acho que já nasci assim. Falo o que tem que se falar, sem meio termo. Não tem essa de começar a falar uma coisa para depois falar outra.

Diz que algumas voluntárias, para brincarem com seu jeito durona, batem continência, transformando a seriedade em humor. Se for preciso, entretanto, ela dá broncas e recoloca tudo em ordem.

– Um bom voluntário tem que ter perseverança, envolvimento com o lugar e comprometimento. Se ele tiver essas três bases, vai se envolver com a causa. Agora, se não tiver engajamento com o lugar, é melhor sair e procurar outro.

Hospital do Câncer de Ribeirão Preto

Selma diz que o trabalho voluntário sempre fez parte de suas vivências. A mãe e as tias faziam o bem e diziam que o domingo era um dia sagrado.

– Ninguém podia pegar em nada que não fosse para ajudar. Elas diziam que não era dia de ganhar dinheiro. Era para visitar as pessoas. Isso fica na cabeça da gente, na formação.

Acredita, então, que fazer o bem é parte de cada um.

– Todos nós nascemos voluntários. Vai de cada pessoa desenvolver a sua capacidade. Se você viver em um ambiente propício, aquilo é natural.

Nasceu e cresceu em Casa Branca, cidade na região de Tambaú. Se formou professora, mas nunca exerceu a profissão. Se casou aos 21 anos. O marido, dentista, era de Ribeirão Preto e os dois passaram a viver na cidade. Se dedicou aos filhos e à casa, até iniciar o trabalho voluntário.

– Às vezes fico até pensando como seria minha vida se não tivesse essa outra função. Acho que eu teria muitas dores e doenças.

A família soma quatro filhos, seis netos e sete bisnetos, para a alegria da avó coruja, que busca e leva um neto aqui, compartilha aprendizados com o outro ali.

– Meus netos e netas adoram o trabalho voluntário. Eu consegui passar a importância para eles.

Na família, Selma não teve que conviver com o câncer. Ninguém adoeceu. O que não a impede, entretanto, de ser empática.

– É muito doloroso. Nem todas as pessoas aceitam. Muitos deixam o paciente de lado, não ajudam, não se mostram solidários. O trabalho voluntário é muito importante para esses pacientes. Muda o hospital, porque os voluntários estão sempre sorridentes, cumprimentam todo mundo. Isso é contagiante.

Hospital do Câncer de Ribeirão Preto

A equipe de voluntariado tem trabalhos para todos os gostos. No setor de acolhimento o trabalho é direto com os pacientes, conversando, orientando, oferecendo um abraço, um chá quentinho.

O grupo de trabalhos manuais e o de artesanato confecciona objetos, que são vendidos em feiras por toda cidade. O setor de sebo recebe livros e discos e também participa de feiras e eventos, vendendo os produtos e angariando recursos.

O Bazar da Pechincha, que funciona na rua Quintino Bocaiúva, recebe todo tipo de objetos, roupas, eletrodomésticos, móveis. As voluntárias fazem uma seleção do que está em ordem, organizam tudo e vendem. Selma diz, porém, que as pessoas têm dificuldades em entender o que pode ser doado e em quais condições.

– Chegam roupas junto com lixo, muito sujas, algumas sem condições de uso. As voluntárias usam até luvas, para lidar com o que vem.

Há ainda o setor de eventos, que realiza bingos, bazares, rifas, tudo quanto é coisa para arrecadar recursos, que são revertidos para o hospital.

– Só esse ano participamos de oito festas juninas! Montamos a barraquinha, vendemos cachorro quente!

A cada três, quatro meses é realizada uma reunião para o ingresso de novos voluntários. Selma explica que a cada 10 que participam, apenas um fica. O perfil do grupo é formado por pessoas mais velhas, que já se aposentaram e têm mais disponibilidade para doar o tempo. Do grupo de 120 pessoas, apenas oito são homens.

– Nós temos oito voluntárias com mais de 80 anos, que são super ativas! Nas festas juninas, elas ficam até uma hora da manhã, firmes!

Ela alerta, porém. Fazer o bem é para todas as idades, sem contraindicações.

– É uma via de mão dupla. Você dá, mas recebe muito mais em carinho, atenção. Você também é acolhida.

Pretende continuar “até quando Deus quiser!”, em suas palavras.

– Eu acho que nós temos que ser pessoas boas. Deus não coloca nada na nossa frente por acaso. Você tem a opção de fazer muito bem feito, ou não fazer. O que colocam na minha frente, eu procuro fazer muito bem feito.

No dia 5 de setembro, irá comemorar 80 anos. Os filhos perguntaram sobre a festa. Ela dispensou. Além de uma reunião familiar simples, vai levar bolo e salgadinhos ao hospital e celebrar com os voluntários.

– A festa está pronta! Não precisa de mais nada!

 

*Quer traduzir essa história em libras?
Acesse o site VLibras, que faz esse serviço sem custos:
https://vlibras.gov.br/

 

 

 

 

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