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Esta história foi narrada pelos integrantes do projeto Doadores de Voz, dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unaerp.
São dois leões grandões. Quando Orival se aproxima do recinto pelas grades onde diariamente coloca comida aos bichos, eles se deitam no chão querendo carinho.
O tratador passa a mão em Zeus e Simba e conversa com a dupla, que retribui com grunhidos e, deitados com as patas para cima, parecem pedir afagos na barriga. Agora, são dois leões – muito – amáveis.
Eu sei: é difícil de acreditar. Eu mesma, se não tivesse visto, talvez não acreditaria.
Mas não para por aí. Na jaula ao lado, moram as onças pintadas Lilica e Spike. Quando Orival chega, rola até crise de ciúme pela atenção dele, que tenta dividir os mimos por igual. Passa a mão no focinho de Spike e agrada Lilica nas orelhas.
– Vem Lilica, vem.
No recito do urso Renan, uma comunicação direta. Orival chama o bicho, que caminha em sua direção e se exibe sob duas patas. Com as elefoas Maison e Bambi é puro amor. As duas se remexem todas e dão a tromba para Orival passar a mão.
Para ele, é tudo uma questão de relacionamento. Dos duradouros, no caso. Há 36 anos como tratador, é o funcionário mais antigo do Zoológico Fábio Barreto, em Ribeirão Preto.
– Eu me adaptei a eles e eles se adaptaram a mim. A gente foi se dando bem, tendo aquelas conversas. Se você tratar o bicho bem, ele vai te tratar bem também.
Já se passaram anos desde que o chipanzé Charles foi embora para o Santuário dos Grandes Primatas de Sorocaba.
– Eu fui buscar o Charles em Brasília. Ele ficou um bom tempo com a gente. Quando ele foi embora, cheguei a chorar.
Repete as lágrimas de outrora pela saudade do companheiro. Foi visitá-lo uma vez, claro. Para se certificar de que realmente o novo lar era melhor do que antigo.
E as histórias são muitas. Levou para casa filhotes de leão e onça que não podiam deixar de ser amamentados – com mamadeira – na madrugada. E cuidou por anos de uma macaca prego, a Chiquita.
– A mãe dela teve seis macaquinhos e rejeitou só ela. Largou no chão. Ela ia morrer. Então, levei para casa e cuidei. Difícil foi trazer de volta!
Foram dois anos para conseguir! A família toda sofreu com a partida da macaquinha, mas Orival sabia que o bosque era o melhor lugar para ela.
Há 36 anos trabalhando entre os bichos, ele sabe bem do que cada um precisa. O principal, garante, é carinho. E nisso, não economiza.
Conta que, depois de tanto trabalho, aos 56 anos, está para se aposentar.
– Não sei como vai ser, não… É uma vida aqui dentro. Separar assim, de repente, é muito difícil.
Os bichos que o digam!
Orival conta que nunca pensou em trabalhar com bicho.
O pai faleceu quando ele – o segundo mais velho de quatro irmãos – tinha 14 anos. Foi preciso unir forças para ajudar a mãe a manter a casa.
Começou a ajudar aos 12 anos, como guarda mirim, e, então, nunca mais deixou de trabalhar.
-Foi difícil, mas graças a Deus a gente supera! Hoje, está todo mundo bem!
Aos 18 anos, ele se casou e foi pai. Pouco tempo depois, perdeu o emprego em um mercado.
– Eu fiquei desesperado! Tinha um filho para cuidar…
Sua mãe, nessa mesma época, trabalhava como varredora na Prefeitura de Ribeirão Preto, e passou a atuar no bosque. Conversou com o diretor, que topou conversar com Orival.
– Ele me disse que estava precisando de funcionários para a manutenção. Eu aceitei!
Naquele tempo, não havia concurso. Orival deixou o bosque com uma carta, que deveria ser assinada pelo prefeito. Vinte dias depois, em 14 de julho de 1981, aos 19 anos, começava como funcionário do bosque.
A função, porém, nunca foi manutenção.
– Quando eu entrei tinha um senhor que tratava dos bichos. E eu fui logo para isso. Comecei sem intenção nenhuma. E fui me apaixonando. Não é à toa que tô aqui até hoje!
Orival conta que, nas primeiras semanas, sentia medo dos grandes bichos – que foram sua especialidade desde o começo.
– Mas com cinco meses de serviço eu já conseguia superar os funcionários mais antigos, de tão bem que me adaptei.
Hoje, garante que não tem “medo nenhum”. Sabe, porém, que é preciso respeitar cada animal.
– O bicho não esquece. Se você fizer mal para ele, um dia ele vai querer te pegar.
Diz que não tem bichos preferidos. Sabe o gênio de cada um.
O urso Renan é arteiro e muito carinhoso.
– Eu fui buscar o Renan em São Carlos. O primeiro contato do bosque que ele teve foi comigo. Ele tinha uns cinco meses. Sempre cuidei dele!
Quando a elefoa Maison chegou ao Zoo, no final da década de 80, Orival questionou:
– Eu fiquei muito cismado: ‘Vou tratar de elefante? Como vai ser isso?’.
Hoje, as duas grandonas são suas companheiras.
Todos os dias, ele chega no bosque às 7h, solta a elefoa Bambi, coloca comida para ela e Maison, e prepara as bandejas dos outros animais. Só deixa o Zoo às 17h.
– Eu gosto muito! Aqui é sossegado, tranquilo. Se você tratar bem o bicho, só tem a ganhar!
A única mordida que levou em 36 anos foi de uma anta. Defende a agressora, porém.
– Ela não era brava. Só estava estressada. Não sei se o tratador antigo deixou ela estressada… Mas ela atacou.
Celebra que essa tenha sido a única intercorrência entre quase quatro décadas de relacionamentos amorosos.
O melhor passeio dos seus três filhos era no trabalho do pai.
– Eu passo o maior tempo da minha vida aqui!
Confessa que até nas férias tem dificuldades de desligar:
– Ah, eu fico preocupado: Será que estão tratando bem deles? Mas aqui todo mundo trata bem!
A única parte ruim de trabalhar tanto tempo entre os bichos é ter que aprender a perder. Vai fazendo a lista: leões, onças, a macaquinha Chiquita e outros tantos amigos que hoje são lembrança.
Se há saudade, há amor: Orival bem sabe.
Encerra mais um dia entre seus companheiros, sem pensar muito no amanhã.
– Eu tô para aposentar… Tô esperando sair.
Repete mais uma vez, sem entender bem se o sentimento é de alegria ou saudade antecipada.
– Minha vida é aqui!
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Parabens Orival pelo carinho e respeito que dedica aos animais, com certeza sentira mtaaasss saudades de todos, mas com a certeza de que tdo valeu a pena .
Lindo gesto! Honroso homem!