Por Daniela Penha
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– Cada paciente traz um mundo consigo. É um mundo todo. E a gente tenta entender até onde pode ir.
Karen Morejón acordou angustiada em uma sexta-feira de início da quarentena. Os casos do coronavírus estavam começando a chegar em Ribeirão Preto e, junto com eles, a falta de equipamentos de segurança para os profissionais da saúde.
A preocupação não nasceu ali. Vem de duas décadas de atuação na Medicina.
– Você tem que proteger ao máximo sua equipe. São profissionais que levam anos para serem formados. Isso sempre me preocupou.
Ligou para uma parceira, conversaram e criaram o projeto Máscaras do Bem, que até o final de maio já havia confeccionado e distribuído mais de 70 mil máscaras com a participação de voluntários e de uma rede de apoio.
Karen tranquilizou um pouco a mente. Só um pouco. Desde que a pandemia chegou, ela redobrou a jornada de trabalho em mais de uma frente. Desde 2001, quando iniciou a residência em infectologia no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, pesquisa e atua com o HIV. Desde 2016, também é responsável pelo controle de infecção hospitalar do hospital da Unimed.
A preocupação, então, começou antes mesmo dos primeiros casos chegarem ao Brasil, lendo um artigo em um site. Era início de janeiro. Chamou a equipe e começaram a preparar o hospital para o que já se anunciava que viria.
Quando, de fato, os casos chegaram foi preciso reformular também o trabalho com os pacientes portadores do HIV. São cerca de dois mil atendidos adultos no ambulatório do Hospital das Clínicas. A área foi fechada para pacientes com Covid-19 e os atendimentos ambulatoriais foram transferidos para outro setor. Karen se preocupou.
– A gente não podia deixar o paciente sem atendimento, sem acolhimento.
A equipe, então, ligou para todos os pacientes. Um a um. Explicou a situação e fez uma triagem. Os que precisam de atendimento com prioridade são atendidos presencialmente. Os outros são acompanhados por telefone, orientados, acolhidos à distância.
– Não queremos deixar nenhum deles desassistido. Temos feito o possível para entrar em contato com 100% dos pacientes.
A Medicina na qual Karen acredita é feita de muita conversa e afeto. No começo da entrevista diz que não sabe se é um defeito. Gosta de papear com o paciente, entendê-lo, conhecer sua história. Que defeito tão cheio de qualidade, eu pensei. Tem pacientes que passam pelo seu acompanhamento há anos.
– Eu sinto uma sensação de bem-estar quando atendo um paciente. Chego em casa cansada, mas é com satisfação.
Conta que, coisa de três anos atrás, começou a anotar frases ditas pelos pacientes. Está fazendo uma coletânea.
– A gente deveria aprender a escutar mais… há uma diferença entre escutar e ouvir. Quando se é jovem, a gente não escuta. É uma pena…
Dra. Karen Mirna Loro Morejón, 44 anos, conhece os detalhes, além do diagnóstico. Se interessa pelo sentimento, além dos sintomas físicos. A Medicina que pratica – na pandemia e no dia a dia – é feita de empatia e amor. Diz que gosta de ir ao Centro da cidade, comprar no bairro, do calor que há nisso. Eu concluo que, sobretudo, ela gosta de gente.
– A escolha pela Medicina foi natural.
Karen cresceu rodeada pelo cuidar feito com afeto. Seu pai era médico e sua mãe técnica de enfermagem. Em Cinquentenário, distrito de Tuparendi, Rio Grande do Sul, onde viviam, os dois atuavam em um hospital rural. Praticamente moravam na instituição, quintal de casa.
– A gente se criou ali. Era nosso playground.
O carro da família funcionava como ambulância. Quando um paciente precisava de transferência, os bancos eram afastados e mais de uma vez Karen e os dois irmãos foram de assistentes, segurando o soro. O irmão também se formou médico e a irmã trabalha com educação especial.
A Medicina que o pai praticava também era feita de muita conversa.
– Todo mundo se conhecia. Era um distrito bem pequeno. Meu pai era anestesista, mas fazia de tudo. Ele e minha mãe eram uma dupla, com uma parceria grande.
A simplicidade da estrada de chão não atrapalhava o pleno funcionamento das coisas.
– Tudo funcionava: o centro cirúrgico, ambulatório, internação. Eu fico pensando: como conseguiam fazer tudo aquilo? Os verdadeiros heróis usam os recursos que têm na mão.
Viveram ali até os 10 anos de Karen e depois foram morar em Tuparendi. Ela fez faculdade na Universidade Federal de Pelotas. O contato com Ribeirão Preto surgiu através de uma professora com quem fez estágio. Recebeu todo o incentivo para prestar a residência – e prestou. Chegou em dezembro de 2000.
– Eu me apaixonei pelo sol, que cidade ensolarada! Adoro morar aqui!
Se casou em Ribeirão, teve suas trigêmeas em 2011 e também aqui se encantou pela infectologia voltada para o HIV.
– A epidemia do HIV foi se modificando ao longo dos anos. Quando lemos sobre os primeiros casos, vemos o quanto a vida desses pacientes foi sendo modificada. Isso é um bom sinal.
Por um bom tempo, Karen se frustrou. Era difícil entender por que alguns pacientes simplesmente não tomavam a medicação que controla o vírus HIV no organismo, adesão à terapia. Com o tempo, somou um aprendizado que extrapola os limites do consultório.
– Eu consegui entender que é o kairós: o momento de cada paciente. É preciso tentar esperar o momento de cada um. Tenho a noção de que vou fazer o que puder enquanto médica, mas, às vezes, não vou conseguir mudar o momento daquele paciente. É sofrido, mas é libertador.
Cada paciente carrega um mundo consigo. Um mundo que começa a se desvelar já no diagnóstico.
– É muito interessante o quanto cada pessoa recebe e maneja o diagnóstico de uma maneira diferente. Às vezes você acha que ela não vai dar conta e ela te surpreende.
A preocupação, entretanto, é a tranquilidade com a qual alguns pacientes recebem a infecção, tratando como se fosse simples uma doença que pode trazer desafios. Os medicamentos que tratam o vírus, mas não o curam, dão essa falsa sensação.
– Hoje, o paciente vive bem. Mas isso levou ao que estamos vendo: alguns não se preocupam mais. Não é dessa forma.
O maior desafio?
– É a falta de percepção de risco. Para os jovens, nada vai acontecer, a vida é uma festa. E acontece também entre outras faixas etárias. Pessoas mais velhas que não se percebem em risco.
Aprendeu também que os julgamentos não têm espaço em sua rotina. O paciente, a pessoa que cuida do paciente: cada um vive suas dores e alegrias.
– Nosso telhado é de vidro bem fininho. Tem momentos da vida em que ficamos mais vulneráveis.
Com conversa, feita de confiança entre paciente e médica, vai costurando histórias, auxiliando no melhor tratamento.
Quando os casos do coronavírus começaram a chegar em Ribeirão, Karen passou a sentir falta de ar. Tinha a sensação de que havia uma nuvem no céu, se aproximando mais e mais.
Agora, com o trabalho em andamento, começa a ver as transformações que tudo isso vai deixar. No hospital da Unimed foi preciso preparar espaços e equipes.
– É uma doença nova e é preciso reestruturar um hospital que não foi pensado para isso. Estruturar o atendimento para os pacientes com Covid e para os outros, que não têm Covid. É um desafio.
O primeiro paciente atendido trouxe tensão, mas também mostrou que a reestruturação estava no caminho certo.
– É trabalho em equipe. Se você não tem a equipe unida, não consegue oferecer um bom atendimento. E uma equipe envolve todo mundo, desde os funcionários da limpeza. Eles são essenciais. Vão garantir que os ambientes estejam limpos. Recepção, portaria: é um encadeamento fundamental para que o atendimento seja bom.
O que toda essa situação está deixando de mais bonito, ela diz, é a soma de forças.
– Tem sido uma união bem bonita. Não é quem sabe mais, mas o que eu consegui de conhecimento para dividir com o outro.
Sua grande preocupação é se tornar um vetor do vírus para a família. Na linha de frente de segunda a segunda-feira, redobra os cuidados ao chegar em casa. E recebe todo carinho de suas meninas e do marido.
– Quando começou, eu os chamei e expliquei que passaria mais tempo fora de casa. Foram muito compreensivos. No começo, quase não os via. Tive que me dividir.
Quando pergunto por que a Medicina é tão importante em sua trajetória, leva as mãos ao peito e não encontra palavras para dimensionar a entrega.
– Acho que é aquela sensação de bem-estar. Uma vontade de cuidar… é um sentimento e não consigo dar nome a ele. Eu me sinto realizada.
Dra. Karen faz Medicina com amor: maior definição não há.
*Quer traduzir essa história em libras?
Acesse o site VLibras, que faz esse serviço sem custos:
https://vlibras.gov.br/
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Conheço a dedicação com que a Dra Karen desempenha suas funções. Ela une conhecimento técnico com amor. Isso é raro.
E posso dizer que ela é encantadora!
Parabéns Dra Karen! Sucesso sempre!
Tenho o prazer de dizer que sou paciente da querida Dra. Karen, que profissional e pessoa maravilhosa. Trata seus pacientes com carinho e muita dedicação dá pra sentir o amor que tem pela sua bela profissão. Parabéns Dra. Karen muito sucesso e realizações, e principalmente pelo momento em que o mundo está passando muita saúde.
Dr Karem vc é simplesmente maravilhosa…a suas palavras me deixaram muito feliz…trabalho no PSF do Jd Zara…sou auxiliar de enfermagem…e tento acolher o paciente como eu gostaria de ser acolhida…Meus Parabéns.