Lencinhos já levaram carinho a mais de 18 mil mulheres na luta contra o câncer

26 março 2018 | Gente que faz o bem

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Esta história foi narrada pelos integrantes do projeto Doadores de Voz, dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unaerp.

 

 

Em volta da mesa comprida, mulheres se reúnem toda segunda-feira. Passam a tarde entre tecidos e pedrarias.

Ali, na sala cedida por uma instituição filantrópica, fazem o bem em via de mão dupla. Ajudam a si mesmas. Ajudam mulheres Brasil afora.

Nenhuma das 24 bordadeiras voluntárias do projeto Lencinho com Carinho teve câncer, nas estatísticas de Adriana Turrini, criadora do grupo.

Todas elas entendem, porém, a importância de unir forças quando a rotina é de luta contra a doença que tanto machuca a autoestima.

Fazem, então, lenços de cabeça para mulheres que vivem o câncer e veem cair cada fio de cabelo. Distribuem, voluntariamente, para o Brasil inteiro.

Os pacotinhos levam também uma cartinha escrita à mão, com mensagens de força.

Em quatro anos de trabalhos, já distribuíram mais de 18,3 mil lenços coloridos de tecido. Até mesmo na Espanha e na África os lencinhos já chegaram, por iniciativa de amigos do grupo.

Inspiradas na ideia, mulheres criaram filiais do projeto em Presidente Prudente, Cuiabá, Belém do Pará e Pouso Alegre. É o bem sendo compartilhado!

Todo o trabalho é feito com doações, seja de pano e pedrarias ou do tempo das bordadeiras. O projeto não recebe nada em dinheiro, só em material e amor.

– A Lencinho faz as pessoas descobrirem que, para ajudar, não é preciso fazer uma coisa grandona. É uma coisa por vez. Juntando o seu pouco com o meu pouco, aí, sim, temos algo grande.

É Adriana, a criadora do projeto, quem diz. Cada conta alinhavada é um bordado do bem.

Lencinho com projeto mulheres com câncer Ribeirão PretovAdriana Turrini é enfática: não quer uma história focada em si.

– Eu criei o Lencinho, mas o projeto só existe até hoje pelas bordadeiras. São elas as responsáveis por tudo!

Mesmo na hora da foto, faz questão de tirar em grupo. É quase um bordado no escuro convencê-la a sair sozinha.

Criou o Lencinho em março de 2014, durante o tratamento de uma amiga contra o câncer.

Começou sozinha e decidiu abrir uma página no Facebook para compartilhar o trabalho.

– Dois dias depois, 100 pessoas já haviam curtido a página e umas 50 queriam doar ou receber um lencinho.

Grande parte dos pedidos eram para cidades fora de Ribeirão e até mesmo fora de São Paulo. Ela, então, apertou as contas da casa enviando lenços por Sedex.

Foi em um aperto por verbas para os envios que surgiu a “mascote” da Lencinho, dois meses depois.

Adriana é artesã e trabalha com bonecas de pano. Produziu uma boneca com os retalhos que sobraram de uma encomenda e postou na internet já na madrugada, antes de cair no sono.

– No outro dia, havia mais de 60 encomendas para a LiLi.

A Lili é uma boneca de lencinho na cabeça, como só poderia ser. E passou a estampar a marca do projeto.

Lencinho com projeto mulheres com câncer Ribeirão Preto

O crescimento do Lencinho foi rápido. Em junho, quando os pedidos já estavam maiores do que Adriana podia produzir, ela colocou um anúncio na página recrutando voluntárias.

Não tinha ideia, porém, se iria dar certo.

– Logo de cara, oito mulheres responderam!

Precisavam, então, de um local para bordar. E foram acolhidas na sede da Associação Espírita Mariano do Nascimento, no bairro Lagoinha.

Hoje, são 24 bordadeiras voluntárias fixas, que se reúnem às segundas-feiras, além das mulheres que pegam o material e levam para bordar em casa.

Com as voluntárias e os pedidos aumentando cada vez mais, foi preciso otimizar os envios. Adriana criou, então, as “madrinhas voluntárias”, que são as responsáveis por receber os lencinhos e distribuir nas suas cidades.

O projeto envia caixas com 50 lenços periodicamente à cada madrinha. O custo de envio das caixas é pago por “empresários solidários”, que pegam a mercadoria com Adriana e levam até o Correio, mantendo a linha do projeto em não receber doações em dinheiro.

São 53 madrinhas e 14 empresários. É preciso, então, rotatividade na entrega das caixas.

– Se a gente queria ter mais empresários voluntários? Claro que queria! Mas aqui, cada um ajuda com o que pode e pelo prazer de ajudar!

Adriana organiza bazares, vende as Lilis, se movimenta como pode para conseguir verbas e comprar o que não chega em doações.

Muitas vezes, falta tecido, pedrarias, envelopes, embalagens, adesivo, além do custo de envio dos lenços avulsos, feitos por Sedex, para cidades onde não há “madrinhas solidárias”.

Diz que a página do projeto recebe dezenas de mensagens diárias.

As bordadeiras distribuem, assim, mais de 700 lenços ao mês. O importante é que ninguém fique sem receber o carinho!

Quem entra na sala, vai logo escutando o aviso:

– Você vai bordar? Ah, então vai voltar! Aqui, quem borda um lenço, borda cem!

Eloíza Caliento de Abreu, 59 anos, foi uma das oito primeiras mulheres que, de imediato, toparam participar da missão de bordar e enviar lencinhos.

Conta a história que viveu outro dia, passando de carro próximo a um hospital do Centro. Levava alguns lencinhos prontos, para entregar, quando viu uma senhora sem cabelos e bem debilitada entrando em um veículo estacionado.

Não teve dúvidas! Parou o seu carro, foi até a mulher e entregou um lencinho, envolto em palavras de força. Recebeu um abraço emocionado em troca.

– O que me faz continuar é saber que no momento mais difícil e incerto da vida da pessoa eu vou poder fazer alguma coisa por ela.

Tânia Gerosa, 64 anos, não dirige, mas recruta o marido e a filha para a missão. A cada 15 dias, deixa Jardinópolis para passar a tarde de segunda-feira bordando lencinhos em Ribeirão.

Na hora de ir embora, leva a sacola cheia de materiais, para os bordados que faz em casa, até o próximo encontro.

Tem certeza de que é a maior beneficiada com a solidariedade. A aposentadoria, depois de 22 anos de professora, veio acompanhada de depressão.Teve um enfarto e um AVC, e tomava uma lista extensa de remédios diários.

– Depois que eu comecei a vir no projeto, não precisei mais de remédio. É terapia. Eu me ocupo, brinco, converso. E levo trabalho para casa.

Dona Teresinha Brayn, com seus 81 anos, é a mais “experiente” do grupo. Conta que, até chegar ali, dois anos atrás, nunca havia bordado na vida. Trabalhou como secretária, se aposentou e precisava preencher os dias.

Não há melhor ocupação do que fazer o bem, ela descobriu.

– A gente leva algo de bom para quem está doente!

Lencinho com Carinho é projeto feito a muitas mãos. Adriana tem mesmo razão.

Lencinho com projeto mulheres com câncer Ribeirão Preto

No dia 8 de abril, o projeto comemora quatro anos com festa.

Um café da manhã vai celebrar os milhares de lencinhos distribuídos, e preparar material para o muito que ainda virá.

Com bazar, Adriana pretende angariar recursos para o trabalho que, enquanto puder, vai continuar a fazer. O motivo é tão simples quanto profundo.

– Eu acredito no ser humano. Eu gosto de gente. E eu espero do ser humano coisas muito boas!

Entre as tantas histórias que a fazem continuar, está a mãe que usou o lenço na cabeça para levar o filho ao altar, a mulher que não saía mais de casa pela falta de cabelo e retomou a autoestima, as dezenas de mensagens que recebe diariamente.

Nesses quatro anos, Adriana viveu histórias de perda – não há como negar. Criou, então, a sua forma de entender a doença.

– É uma oportunidade que você está tendo de recomeçar, de passar a dar importância para o que realmente importa. Nossa energia é valiosa e a vida é preciosa e curta. Era uma menina tão linda, tão boa. Por que morrer? Porque ela cumpriu a missão dela! E veio ensinar todo mundo em volta a dar valor na vida.

A regra, nos encontros de segunda-feira, é manter o astral. A tristeza não é bem-vinda na agulha das bordadeiras.

– Cada ponto que a bordadeira dá, é uma reza. Quando elas estão conversando, felizes, é como se elas estivessem rezando por alguém.

Exatamente agora tem alguém desfilando por aí com um dos tantos lencinhos coloridos feitos com carinho.

As voluntárias, então, voltam para casa com o coração tranquilo. A missão de fazer o bem está cumprida.

 

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2 Comentários

  1. Vera Regina Ferriolli Vezolli

    Daniela, sua história sobre a Lencinho com Carinho ficou show. Tudo que está escrito é uma realidade nossa. É sempre gratificante nossas segundas feiras onde fazemos o bem sem nem ver a quem. É um trabalho (se é que podemos dizer “trabalho” a delícia que é bordar) que faz mais bem para nós mesmas, uma benção, uma paz de espírito, um alívio para a alma. Obrigada por suas palavras.

  2. Vinha Camargo

    Logo no começo , assim que vi a postagem da Lencinho, queria conhecer, ver e fui…. Adriana e as poucas bordadeiras que tinham me receberam de braços abertos….
    São abraços para sempre, abraços de cada Lencinho bordado, muitos risos, muito amor….
    Tudo que foi escrito no texto é fato.
    Por hora mudei de cidade, mas por aqui vou continuar junto com a Lencinho os lenços que mais amei bordar nessa vida…. Obrigada Dri, bordadeiras por tudo que vivemos juntas….

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