Luiz Puntel: trajetória dedicada às palavras

23 março 2020 | Histórias do Proac 2019/2020

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É natural. Em meio à conversa, Puntel está ensinando. Usa a lousa para explicar a origem do sorriso grandão, aquele que se dá com sinceridade. Há uma história ali, ele me conta. Fala sobre arte, mobilidade urbana, relações sociais: os temas são tão diversos quanto exige a tarefa de ensinar a escrever.

São cinco décadas dando aulas de redação. Ensinando não só a elencar as palavras de maneira correta, mas também a formular boa argumentação. Sua fala, então, vem imbuída de todo esse fazer.

Também tem história como escritor. Escreveu 10 livros, que receberam prêmios, foram transformados em teatro e cinema, utilizados em escolas do Brasil todo e, hoje, estampam, orgulhosos, as paredes da escola literária.

Angariou espaço no universo da boa fala. Professor de oratória, ensina comunicação, com aquele sorrisão que tem história e ocupa todo seu rosto. Charme que exibe nas fotos e ainda quando a câmera está desligada.

Luiz Puntel é um ser das palavras: não há dúvidas. Aos 70 anos, faz duelo com o tempo do imediato, do descartável, que valoriza o efêmero e despreza a experiência.

– Na sociedade em que vivemos, da selfie, do espetáculo, o idoso não tem reconhecimento. Enquanto eu tiver saúde, vou continuar.

Promove um diálogo geracional ao corrigir as redações, em 2020, usando uma máquina de escrever.

– Os alunos perguntam: ‘Professor, que carimbo é esse que você está usando?’. Não conhecem máquina de escrever! Então, eu mostro para eles!

Em tempos de polarização política e disseminação do discurso de ódio, procura o equilíbrio. Um de seus livros, “Meninos sem pátria”, lançado em 1981, lido por décadas seguidas pelos alunos, ganhou o noticiário e as redes sociais em outubro de 2018, ao ser censurado por uma escola do Rio de Janeiro por tratar da ditadura.

Professor, escritor, décadas de história, Puntel foi tachado de “comunista” e teve seu fazer questionado. Seguiu.

– A função do professor de produção de texto é essa: fazer com que o aluno tenha visão crítica. Argumentou direito? Deu dados? Embasou a sua teoria? Tem criticidade. O duro é ter visão radical, que não é crítica, mas deturpada. E ficar acreditando que a terra é plana, por exemplo.

Oficina literária Puntel Ribeirão Preto

Puntel nasceu em Guaxupé, sexto filho entre 10. Ainda menino, a família se mudou para São José do Rio Pardo, onde ele pôde se encantar com a história da casinha onde Euclides da Cunha teria terminado de escrever “Os Sertões”. Pensa que a sua literatura nasceu ali.

Na família, o incentivo para os estudos e a leitura eram diários. Os pais orientavam e os irmãos mais velhos iam mostrando os caminhos.

– Eu sabia que iria conseguir alguma coisa na vida estudando.

Se mudaram para Ribeirão Preto em 1956, centenário da cidade, quando Puntel estava com sete anos. Fez toda a formação escolar em instituições públicas e se lembra com carinho da Biblioteca Sinhá Junqueira, no Centro de Ribeirão, que na época era chamada de Altino Arantes.

– Não tínhamos TV, era rádio. Cinema de vez em quando. Então, a biblioteca tinha um valor muito grande.

Na escola, as professoras que marcaram trajetória ainda são lembradas com nome, sobrenome e muito carinho. Tinha aquela que fazia um jornalzinho com os textos dos alunos, o outro que realizava um concurso de contos – do qual Puntel foi campeão.

Antes de seguir pelo caminho das palavras, com dedicação exclusiva, trabalhou em outras funções. Família grande, todo mundo precisava colaborar.

Aos 15 anos, foi atuar como office boy, depois trabalhou em hospitais como assistente. Conta que em um deles, Santa Tereza, alfabetizou um grupo de internados, que eram dependentes de álcool. Uma das marcas de sua trajetória.

Na década de 70, entrou para o Banco do Brasil como concursado, na função de escriturário.

– Naquela época era um empregão!

Sabia, porém, que não era o que queria.

– Eu estava no banco, mas não era bancário.

Fez faculdade de Letras na Barão de Mauá, se formou em 1974 e foi para a sala de aula. Somava o trabalho no banco com o de professor. Logo se casou e vieram as duas filhas.

Também começou a publicar nessa época. Enviava originais para uma revista literária e logo encaminhou uma obra para a editora Ática. Seu primeiro livro, “Não aguento mais esse regime”, foi publicado em 1979. Não parou mais! Um atrás do outro, direcionados para o público infanto-juvenil.  Passou a fazer parte da coleção “Vaga-lume”: querida e lembrada pelos leitores da adolescência.

As palavras, por 12 anos, dividiram espaço com a rotina no banco. Começou a dar aulas em uma escola no contraturno, escrevia livros: vida cheia.

– Teve uma época em que eu cheguei a ter quatro empregos de uma vez!

Oficina literária Puntel Ribeirão Preto

Participando de uma bienal em Araçatuba, conheceu uma escola de redação. “Isso eu sei fazer!”: a ideia estava plantada.

No começo, tentou conciliar os trabalhos. Usava a garagem de casa para as aulas. Conforme o número de alunos foi crescendo, precisou modificar a rotina. Ficou dois anos de licença, mas decidiu que não iria retornar. Em 1984, formalizou a escola de redação que, com o tempo, se tornou também ensino de oratória.

Nos primeiros anos, as aulas eram em um espaço improvisado em casa. Em novembro de 1990, abriu a sede da escola, que funciona ainda hoje na mesma avenida Senador César Vergueiro.

– Um concurso traz a zona de conforto. Mas eu estava de passagem. Fui, sem saber onde iria chegar. São 35 anos!

Perde as contas dos milhares de alunos que passaram por suas aulas. Estima que corrigiu mais de 70 mil redações em mais de três décadas de trabalho.

– Vem pais que foram alunos matricular seus filhos. Eu encontro pessoas na rua que me dizem: ‘Nossa professor, você foi muito importante na minha vida’.

Oficina literária Puntel Ribeirão Preto

A escrita de Puntel é feita de realidade. Faz ficção a partir dos fatos do cotidiano, das temáticas sociais que precisam ser discutidas. Ditadura, a revolta trabalhista de Guariba, desapropriação de terras, hip-hop.

– Eu sempre me baseava em problemas sociais. Trazia uma visão para discutir essas questões com os jovens. Por que alguém tem que se exilar em outro país? Por que existe a desapropriação de terras?

Escrita literária que anda de braços dados com o ensino de produção textual. Em sala de aula de quem presta o vestibular, falar sobre a sociedade e suas questões é tão essencial quanto escrever bem.

– Muitas vezes só vão para a sala de aula os conceitos. Mas também tem que ir a realidade.

Escrever, ele diz, ainda é uma lacuna para muita gente.

– A educação vai se preocupar com isso lá na frente. E o aluno vai passando de ano sem aprender.

Hoje, conta com a participação da filha na escola, sua companheira Ludmila Puntel. Aos 70 anos, não pensa em aposentadoria. Conta que começou a correr aos 20 e poucos e não parou mais. Correu maratonas, foi até Batatais e hoje continua a atividade em bicicleta. A mesma energia – ou até uma dose multiplicada dela – coloca no trabalho.

– Sempre me vi em sala de aula, na frente dos alunos.

O motivo?

– O que me chama é o conhecimento. O gostoso do universo da educação é isso: mostrar caminhos, fazer as pessoas pensarem, ter curiosidade.

Faz alguns anos que não publica livros. Pensa que, hoje, precisaria parar para escrever uma história. Uma pausa nunca feita.

– Todos esses livros escrevi nas férias, na madrugada, no final de semana. Roubando o tempo da família. Preciso estar entregue àquilo.

Em tempos atuais, afirma, “escrever é resistir”. Com colunas e blogs continua resistindo, escrevendo. Mais um encontro geracional: coloca suas palavras também em ambiente digital.

Enquanto fazemos as fotos, ele conta um pouco sobre a Mafalda, o Uber, os temas das redações da USP nos últimos anos.

É natural. Em meio à conversa, Puntel está ensinando. Pretende nunca parar!

 

*Quer traduzir essa história em libras? Acesse o site VLibras, que faz esse serviço gratuitamente: https://vlibras.gov.br/

 

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Oficina literária Puntel Ribeirão Preto

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3 Comentários

  1. SHEYLA DUTRA

    Sou fã!

  2. Rogério Martins de Azevedo

    Puntel é maravilhoso! Um profissional e pessoa muito acima da média!

  3. Fernando Alcântara Passos

    Li o seu livro Deus me livre no início dos anos 80 , até hoje lembro da velha moto Java que era de um padre e do Sr Mustarella. Naquela época tínhamos que ler o livro, pois a professora junto a prova, pedia um resumo do livro. Hoje devido a internet e o CRT C e CRT V acabou tudo isso. Foi se o tempo. Abraços Professor.

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