Esta história faz parte do projeto “Força Italiana”, iniciativa da Casa da Memória Italiana, produzida em parceria com o História do Dia. Para conhecer mais acesse:
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Na profissão, há heranças de família. Marcelo Ciciarelli, neurologista, seguiu os caminhos do pai. No hobby preferido, mais raízes de outrora. Fez curso de culinária e reúne a família à mesa para as delícias da cozinha, como faziam seus avós e seus pais.
A descendência italiana é presente na história e na rotina do médico. Só faltaram os dons musicais, diz, entre risos. Nessa área, deixou o talento para o avô, músico consagrado em São Simão e Ribeirão Preto, e para o pai, que tocava piano. Aprendeu a apreciar e a bem ouvir, não há dúvidas. Trilha sonora para os momentos de gastronomia.
Busca, em tempos atuais, resgatar a história da família, tão bem guardada pelas tias em recortes de jornais organizados em álbuns e outros registros.
– A família é a parte mais fundamental da sociedade. A célula mais importante. Conseguir que a família esteja unida, em harmonia faz com que a sociedade seja melhor. Se todas tivessem essa característica, teríamos um mundo melhor.
Música que veio da Itália
São dezenas de recortes de jornais e homenagens para Ovídio Ciciarelli.
“Maestro Ciciarelli, um nome de que devemos nos orgulhar. Merece nosso culto, nossas homenagens, nossa saudade”, escreveu em um recorte de jornal sem data Altino Bondessan, escritor, poeta, compositor, músico, jornalista e advogado nascido em São Simão, que se tornou expoente do cenário cultural de São José dos Campos.
Ovídio fez história na música. Os jornais falam em mais de 400 composições, algumas premiadas, e outras que ficaram na memória de muita gente. Trajetória bonita, eternizada na Banda Municipal de São Simão, batizada em 1987 com seu nome.
O sobrenome sinaliza. A história desse maestro nasce lá na Itália. O avô de Marcelo deixou Cosenza, comuna San Pietro in Amantea, na Itália, por volta dos dois anos de vida, em 1904. Partiu com os pais Pascoale e Maria Guido, e os irmãos.
Se fixaram em São Simão, e Marcelo não tem muitas informações sobre essa transição ou o passado na Itália. Sabe que ali, na cidadezinha da região de Ribeirão Preto, o avô cresceu e se tornou querido.
Aos oito anos, Ovídio já tocava em bandas da cidade. No jornal “O trabalho”, de 1987, seu dom é exaltado como polivalência: “Executava com brilhantismo, e sobretudo inspiração, todos os instrumentos excetuando-se o violino”.
As reportagens também enalteciam seu sucesso rápido. Aos 18 anos, começou a compor e aos 20 já era maestro de uma banda conhecida em toda região: Giuseppe Verdi. O nome, inspirado em um grande compositor da Itália, sinalizava a forte influência da cultura italiana na pequena cidadezinha.
Ovídio tocou também na Orquestra Brasil, na época do cinema mudo. As bandas acompanhavam o desenrolar do filme, dando trilha sonora às imagens. Maestro Ovídio estava lá.
Foi professor de música em instituições diversas, onde ocupou também cargos de gestão. Entre as composições que ficaram para a história está o hino “Marchai Paulistas”, que compôs na Revolução de 1932, para os voluntários de São Simão.
Em julho de 1921, se casou com Ophélia Ribeiro, fluminense, de Barra Mansa, que foi morar no interior de São Paulo. Marcelo acredita que os avós se conheceram na pequena cidade. Tiveram cinco filhos. O caçula, Francisco de Assis, pai de Marcelo, nasceu em 1935, quando a família já vivia em Ribeirão Preto.
Se mudaram para a cidade maior, mas Ovídio continuou a deixar escancarado seu apego por São Simão. Foi músico da Orquestra Sinfônica de Ribeirão e continuou dando aulas de música na cidade. “Dedicou toda a sua vida à família, ao magistério e principalmente à música, que constituía a própria razão de sua existência”, diz o mesmo jornal “O trabalho”.
Em vida, manifestou à família o desejo de ser sepultado em São Simão. Faleceu em 15 de novembro de 1946, aos 54 anos de idade, por um câncer no pulmão. Marcelo não chegou a conhecê-lo. “Naquela cidade veio a falecer, ainda em plena jornada, quando muito se esperava ainda de sua capacidade musical”, lamentou o mesmo Altino Bondesan, em outro artigo, de 1988.
Em 1987, a banda municipal recebeu seu nome, em homenagem. No decreto que institui o batismo, os argumentos vão de suas “incontáveis composições, algumas românticas, outras inflamadas, exortando em seus companheiros o sentimento de patriotismo” até a eternidade de sua paixão: “46 anos após seu passamento, quando se fala em música em São Simão o primeiro nome lembrado é o do Maestro Ovídio Ciciarelli”, conforme consta no documento daquela data.
A história do italiano, que se radicou brasileiro, foi e ainda é orgulho para a família. Os recortes colados cuidadosamente e guardados pelas filhas bem o demonstram.
– Ele foi muito conhecido e querido!
Nas palavras de Marcelo.
A Medicina do pai
Quando Ovídio faleceu, Francisco, caçula de cinco irmãos que se tornaria pai de Marcelo, tinha apenas 11 anos. Na trajetória voltada à Medicina, houve, então, uma dose alta de esforço.
Francisco de Assis Ciciarelli se formou na Universidade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP (Universidade de São Paulo) e, conforme o filho conta, cheio de orgulho, foi o primeiro residente em neurologia da cidade.
– Os professores dele fundaram a residência e ele foi o primeiro.
Se formou em Medicina em 1961 e, em 1962, se casou com Rosa Maria Cedrinho, que era de Serrana, se formou professora em Ribeirão Preto e lecionou até se aposentar.
Tiveram cinco filhos: Marcelo, Maurício, Andréa, Marcos e Luciano. Família grande, esforço redobrado. Marcelo conta que, no final da década de 60, seu pai precisou interromper a residência em Neurologia em alguns momentos, para intensificar os plantões como clínico geral e manter a família, junto com a esposa, sempre em sala de aula.
Foi por esse motivo também que ele não pôde se dedicar à carreira acadêmica. Atendeu em Ribeirão e cidades da região. Além do consultório particular, atuou pelo INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Medicina da Previdência Social), hoje SUS.
Como hobbie, herdou a música de seu pai. Tocava piano e era um conhecedor de música clássica. Nas lembranças do filho, Francisco era um homem estudioso, que conversava sobre tudo e lia muito. Continuou trabalhando até o ano passado, quando faleceu aos 84 anos por uma infecção pulmonar.
– Ele era muito inteligente. Uma pessoa inspiradora mesmo.
A Medicina do filho
A Medicina foi uma escolha quase natural, porque Marcelo não se lembra de pensar em outra opção. De menino, gostava de operar as lagartixas que encontrava pela casa. Fazia suas cirurgias ali, pensando no futuro.
Aos domingos, a família saía para comer pizza e, se o pai tinha que passar no hospital por algum motivo, o filho o acompanhava.
Puxando os fios da família, descobriu que o bisavô, pai de Ophélia, Napoleão Ribeiro, também era médico. Raízes que pulsam.
– A Medicina era o exemplo de casa. O que eu via, me atraia muito: tratar, curar.
Quando entrou na Universidade de Vassouras (RJ), em 1981, tentou não gostar de neurologia. Esforço vão.
– Eu pensava: não vou fazer só porque meu pai é neuro. Mas foi bastante natural. Não teve como fugir.
Se encantou logo. E seguiu os caminhos de Francisco. Fez residência em São Paulo, em 1988, terminou em 1990 e voltou para Ribeirão Preto. Chegou a trabalhar junto com o pai, no mesmo consultório, por 10 anos. Depois, foi seguindo seus caminhos.
Cursou o Mestrado e o Doutorado na USP de Ribeirão Preto e, complementando um trajeto que o pai não pôde traçar, seguiu pela carreira acadêmica. É professor em neurologia titular na Barão de Mauá. Sua especialidade é cefaleia, área que o pai também gostava.
– A dor de cabeça é incapacitante. Impacta em todos os domínios da vida da pessoa. Os resultados mostram que 80% apresentam melhora com tratamento. É muita satisfação poder aliviar essa dor e melhorar a qualidade de vida.
Tempero que reúne
Quando não está no consultório e na faculdade, o melhor lugar para Marcelo é a cozinha. Há uns cinco anos, fez curso de chef para aprimorar ainda mais o hobby, que tem raiz lá na Itália.
– É uma herança italiana muito forte. Normalmente, cozinho pratos italianos. Desde as carnes, até as massas, risotos.
A tradição de se reunir à mesa vem de dois lados. Se casou com Daniela Coselli, filha de italiano, que também trouxe suas heranças e costumes.
Aos sábados o almoço é, impreterivelmente, na casa da mãe de Marcelo. No domingo, se reúnem na casa dos pais de Daniela, com o mesmo rigor impreterível.
Os três filhos de Marcelo e Daniela estão sempre com eles, assim como os outros nove sobrinhos, que somam os 12 netos de Rosa Maria e Francisco Ciciarelli.
– Quando cozinha, você tem que ficar concentrado no que faz e esquece de tudo. Eu gosto de comer bem, de comida boa. E é um ato que reúne a família: você cozinhando, todo mundo em volta. É um lugar de confraternização.
Marcelo assume o fogão.
– A gente vai para almoçar e fica até à noite. Famílias unidas criam uma sociedade melhor. O italiano tem muito disso! E a gente tenta passar isso para os filhos, tanto que eles estão sempre participando. Meus pais tiveram essa virtude, de conseguir essa união.
Há um elo perdido com a família italiana. Depois que os bisavós deixaram a Itália, o contato por lá nunca foi restabelecido. Viajou para a Itália algumas vezes, mas não retomou os laços com os Ciciarelli que ficaram por lá. Também perdeu o contato com os irmãos de seu avô, Ovídio, que se espalharam pela região de São Simão.
Marcelo lamenta. Por outro lado, há motivos para comemorar. A união com seus irmãos é firme, celebrada aos sábados, vivida na rotina.
– Somos muito unidos. Minha mãe faz 81 anos neste 2020 e está sempre com os filhos e netos.
Entre os netos de Francisco e Rosa Maria, um seguiu pela psiquiatria e outras duas estão cursando Psicologia. Sobrinhos de Marcelo, que herdam de duas gerações o encantamento pela mente humana. E seguem pela terceira.
– Somos muito ligados a esse lado neuropsíquico.
Depois que o pai faleceu, Marcelo busca dar continuidade à história da família, resgatar os registros guardados pelas tias. Retomar os fios dessas memórias. Seu irmão é um dos guardiões das lembranças. Já tem bastante coisa, busca ainda outras.
O principal, não lhe falta.
– É fundamental ter a história da família. A família é a parte mais importante da sociedade.
Tem sua convicção. A história nunca para. É sempre tempo para retomá-la!
Legendas
Foto 1: O maestro Ovídio Ciciarelli, avô de Marcelo
Foto 2: Dr. Francisco e Rosa Ciciarelli, pais de Marcelo
Foto 3: Dr. Marcelo Ciciarelli: Medicina e música na história da família italiana
Foto 4: Marcelo Ciciarelli e os irmãos Andréa e Maurício
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Boa noite !!
A Sra. Nicolina Ciciarelli -já falecida – é Avó da minha Esposa, Elvira Sposito.
Dona Nicolina faleceu nos anos 50 em Presidente Venceslau SP. Deixou viúvo o Sr. João Sposito, falecido nos anos 60.
Dona Nicolina e Sr. João tiveram sete filhos. O único vivo é o Emílio Sposito que mora em Lins SP.
Todos os filhos do casal – uma mulher e seis homens nasceram em São Simão.