– Deus tem um grande bordado e cada um de nós é um ponto. Para compor o coletivo e as formas, Ele precisa mexer nos pontos. Por isso, a vida é feita de encontros, desencontros e reencontros.
É assim que Marília Castelo Branco, 53 anos, entende o viver. Por acreditar nisso, ela transforma o que dói em aprendizado.
Na Síndrome do Amor tem um pouco de Thales em cada canto.
Sua imagem está em fotos na parede, em porta-retratos, na mesa da mãe. Sua existência fez nascer a associação que hoje soma o cadastro de 1.129 famílias de crianças com síndromes genéticas.
– Eu fui preparada para fazer o que eu faço hoje. Sabe o bordado? Foi isso!
Por acreditar que tudo na vida tem um propósito, Marília transformou o luto pela morte do filho em ação.
Marília começa seu bordado da infância. Os pais nordestinos mudaram para São Paulo e, quando a filha nasceu, eles ainda tinham medo do alvoroço da cidade grande. A menina cresceu cercada de amor e proteção em doses altas.
Aos 15 anos, grávida, se casou com um homem 10 anos mais velho. Diz que a gravidez foi intencional.
– Eu queria sair de casa e, na mentalidade em que fui criada, uma mulher só saia de casa para o casamento. Além disso, encontrei o amor da minha vida.
Aos 19 anos, ela cuidava de dois filhos.
A família se mudou para Ribeirão Preto em 1999, por questões de trabalho, quando Marília tinha 35 anos.
– Fazia um tempo que eu não estava bem. Tive depressão, pânico, era horrível. Sentia um vazio. E não entendia. Minha vida era boa: viajava muito, tinha dinheiro, família.
Um ano depois da mudança, o casamento chegou ao fim e ela embarcou na busca por si mesma.
Começou a estudar Astrologia e conheceu um astrólogo, com quem dividia espaço comercial.
– Quando eu percebi, estava completamente apaixonada por esse cara.
O namoro começou e dois anos depois, a surpresa.
Marília estava com 39 anos. Diz que teve um atraso na menstruação e achou que poderia estar com problemas hormonais.
– Eu disse para ele que estava preocupada, porque ele era mais novo e poderia ser que eu não pudesse mais ter filhos.
O bordado era justamente o contrário do que ela imaginava.
– Foi o maior susto da minha vida. Eu estava grávida!
Os nove meses de gestação correram bem. Com 38 semanas, marcou o parto de Thales porque estava sentindo dores.
Na cesariana, dia 6 de maio de 2004, a linha do bordado começou a desfiar.
– Parecia que estava demorando muito. Depois que o Thales nasceu, a sala ficou em silêncio e os médicos se entreolhavam. Nunca vou esquecer daquele silêncio.
Thales nasceu com 2,1 quilos e totalmente inerte. De imediato, os médicos diagnosticaram problemas cardíacos e restringiram a vida do bebê a 30 dias.
Passados os 30 dias, veio o diagnóstico de Síndrome de Edwards, uma doença genética rara, causada por alteração do cromossomo 18.
Thales continuava lutando pela vida, já contrariando as expectativas médicas.
Desde o parto, Marília se sentia desmoronar.
– Entrei num processo de medo, tristeza, depressão, todos os sentimentos angustiantes ao mesmo tempo.
A depressão durou mais de um mês e só terminou com um chacoalhão do filho mais velho.
“Mãe, você é a única mãe que o Thales tem”, foi o que fez Marília levantar da cama, começar um tratamento com antidepressivos e enfrentar a situação.
E aí, ela retoma o bordado.
– Sabe por que eu comecei a ser mãe tão cedo? Porque eu precisava de ajuda para cuidar do Thales. Quando ele nasceu, eu tinha dois adultos ao meu lado.
Os filhos foram o apoio de Marília, já que – ela conta – o pai do bebê avisou que estava apaixonado por outra mulher e partiu.
A Associação Síndrome do Amor surgiu porque Marília precisava pôr para fora o turbilhão que estava vivendo. Thales tinha quatro meses e estava internado. Em uma noite, sozinha em casa, a mãe decidiu aceitar um convite on-line.
– O Orkut era algo totalmente novo!
Criou a comunidade “Pais de crianças especiais”.
– Eu queria derrubar o que os médicos diziam. Eles deram 30 dias e meu filho já estava com quatro meses. Queria dividir isso com outros pais.
Em pouco tempo, tinha cinco mil seguidores.
Foram força quando Thales, com um ano e cinco meses de vida, “virou estrelinha”, como Marília diz.
Semanas depois da morte do filho, ela escreveu um texto relatando a histór
– Eu concluí que havia vivido uma síndrome de amor incondicional.
Colocou o nome da história de Síndrome do Amor, mostrou para algumas pessoas e começou a surgir a ideia da associação.
– Eu não queria de jeito nenhum. Mas outras mães começaram a perguntar e a pedir…
Em novembro de 2007 a associação estava criada. Um ano depois, o órgão já tinha sede doada por um voluntário e abrangência nacional.
Thales nunca conseguiu sentar ou falar. Mas a mãe sabia que o pequeno a reconhecia pelos olhinhos que a buscavam pela casa.
Marília aprendeu a não ter medo da morte do filho. A não se culpar. A viver seu amor por Thales.
– Eu não me deixava pensar no que iria acontecer. Ele era como uma meditação: eu estava com ele naquele momento. Para uma mãe, um filho não morre de verdade.
A Síndrome do Amor nasceu para manter Thales ainda mais vivo.
– Eu faço meu trabalho com alegria, mas não com vaidade. O que eu faço é para dar significado a uma dor que é a maior que uma mulher pode sentir.
Dando significado a sua dor ela acalenta a de outras famílias.
O trabalho da associação se divide em três frentes: oferecer informações às famílias de crianças com doenças genéticas, dar assistência às famílias que vêm a Ribeirão Preto em busca de atendimento médico e coletar material genético de crianças com doenças raras e enviar para pesquisa em universidades de fora do país.
Em média, recebem três famílias de fora por semana, oferecendo hospedagem, alimentação, transporte e, principalmente, apoio emocional na estadia em Ribeirão.
A organização se sustenta por parceiras, doações e ações que os 80 voluntários organizam. Bingos, jantares, bazares, feijoadas: tudo é revertido em ajuda.
– Eu quero mostrar para essas mães que tem uma forma diferente de olhar para essa situação. Elas precisam de apoio e informações corretas.
Para o futuro, Marília pretende profissionalizar mais os atendimentos.
E continuar, sempre.
No bordado de Marília, os pontos se unem em amor e toda trajetória tem significado. Thales é um ponto firme, desses que nunca desfiam ou desbotam. Um encontro.
– O grande presente que o Thales me deu foi descobrir a força que estava dentro de mim. Só em mim. Hoje eu sou imensamente mais feliz que antes. O vazio acabou.
Que história emocionante, Dani, parabéns pra você e para a Marília.
Eu como mãe de uma menina com Edwards, Maria Letícia de 8 anos, conheci a associação e a Marília ainda na gestação e agradeço a Deus até hj por fazer parte desse bordado! Marília e todos os amorosos são anjos em nossas vidas!
Lindo exemplo de vida e superação, sou muito grata por ter lhe conhecido Marília
Sempre me emociono com essa linda história. Essa associação foi a única a me fornecer informação e alento quando minha neta nasceu em 2014 . Ela rasgava o véu da escuridão que existia em torno dessa síndrome e trazia esperança.
As palavras de Marília muitas vezes vieram em nosso socorro em momentos de muito desespero e medo. Sou e sempre serei grata.