Médico Felipe contraiu Covid, se recuperou e voltou para a linha de frente

6 junho 2020 | Gente que cuida, Histórias do Proac 2019/2020

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Quando os casos do coronavírus começaram a chegar em Ribeirão Preto, Felipe tomou uma decisão. Alugou um apartamento e saiu da casa onde vive com as filhas e a esposa.

– Eu sentia que iria me contaminar. E tinha medo de ser um risco para minha família.

Pressentimento ou presságio, o sentimento estava correto. Na mesma semana em que partiu, o médico Felipe Barufaldi, 37 anos, manifestou os primeiros sintomas da Covid-19.

Toda a preocupação que já sentia se intensificou. Felipe atua com urgência e emergência desde que se formou, há nove anos. No Samu de Ribeirão Preto desde 2015, como plantonista da ambulância e também na regulação, já atendeu a todo tipo de acidente e tragédia. O cotidiano em sua faceta mais dolorosa. Diz, entretanto, que em nenhum momento se sentiu tão apreensivo quanto na pandemia.

– Foi a primeira vez que senti necessidade de um apoio psicológico. Fiquei com muito medo de como as coisas iriam se desenrolar.

O primeiro sintoma que manifestou foi dor de cabeça. Achou que era algo do cotidiano. Trabalhou normalmente. No segundo dia, vieram também dores no olho e indisposição. Começou a desconfiar. Se afastou do trabalho no terceiro dia e, depois, recebeu o positivo para o teste do coronavírus. Ao longo dos dias, teve coriza, congestão, tosse e medo.

– Ia dormir pensando no pior, achando que poderia acordar com falta de ar.

Sozinho no apartamento alugado, recebeu carinho à distância e por drive-thru. Uma prima levava o almoço e deixava do lado de fora, amigos e vizinhos levaram livros e chocolates, a esposa e as filhas ficavam conectadas.

– A pior parte é estar sozinho, não ter ninguém do seu lado. Esse carinho foi muito importante.

Em seu organismo, a doença não tomou proporções graves. Em 10 dias estava recuperado. Escolheu voltar para casa, mais tranquilo por estar, de certa forma, imunizado. Também escolheu redobrar forças no trabalho.

– Tudo tem um propósito. Eu peguei o coronavírus, me imunizei e, agora, posso cuidar ainda mais das pessoas. Sinto que tudo foi para enfrentar isso e ajudar.

Felipe Barufaldi médico Samu Ribeirão Preto

A vontade de ser médico começou lá na adolescência. Sempre que presenciava um acidente, Felipe queria estar perto, ajudar, acompanhar.

É o primeiro da sua família a seguir a profissão. Seu pai é engenheiro mecânico e a mãe dona de casa. Quando Felipe tinha 17 anos, a família se mudou de Araraquara, onde ele nasceu, para João Pessoa, na Paraíba, pelo trabalho do pai.

Quando se formou no Ensino Médio, tentou Medicina, mas não entrou. Decidiu, então, ir para a Fisioterapia. Largou o curso no terceiro ano.

– Faltava a parte mais intervencionista, a cirurgia. Sempre gostei da parte mais invasiva.

Passou em Medicina na Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas, Maceió, em 2006. Conheceu a esposa na faculdade. Ela se formou ginecologista. Os dois passaram um tempo em Salvador, para que ela terminasse a residência. Felipe começou, então, a atuar como plantonista em cidades da região.

Em 2013, o casal se mudou para Ribeirão Preto. Vieram grávidos da primeira filha, a Júlia. Felipe começou a residência em cirurgia geral na Santa Casa e depois foi para a Urologia, na Unaerp.

– Eu sempre fui muito resolutivo. Sempre gostei das coisas que consigo resolver. Gosto da cirurgia por isso: as coisas são resolvidas. Se você tem uma hérnia, vamos resolver.

Entrou no Samu em 2015, somando a residência, o nascimento da segunda filha, Manu, os trabalhos como plantonista.

– Eu dormia duas, três noites em casa. O resto era trabalhando.

A correria foi superada pelo encantamento:

– Hoje, é minha principal atividade. É onde eu me realizei nessa parte de intervenção.

Não parou de buscar aprender. Fez mestrado pesquisando a área de infectologia na USP de Ribeirão e, hoje, além do trabalho no Samu dá aulas na Unaerp e está começando os atendimentos em urologia.

Felipe Barufaldi médico Samu Ribeirão Preto

A rotina de Felipe é feita de muito movimento.

Depois que a pandemia se instalou, a correria aumentou. As filhas não estão indo na escola, as atividades são feitas em casa e ele vê o lado bom.

– A Manu está na fase de alfabetização. Aprendeu a ler com a gente!

A esposa, que também é médica, continua atendendo. Os dois, então, criaram um esquema de segurança em casa. Chegam pelos fundos, tomam banho, passam álcool no celular, chaves, objetos. E, só então, entram e cumprimentam as pequenas.

Manu responde sem hesitar: “Por que o papai ficou fora de casa?”

– Por causa do coronavírus!

Depois que teve a doença, Felipe intensificou os plantões no Samu. Explica que alguns colegas precisaram se afastar. Grupo de risco, manifestação de sintomas, dengue: motivos diversos.

– Tinha muito plantão descoberto. Eu peguei para ajudar. E foi bom, porque me senti útil.

Garante que, em nenhum momento da trajetória, repensou sua escolha.

– Nunca me arrependi. Nem mesmo nesse momento. Pelo contrário. Me senti mais importante do que nunca.

Aos seus alunos, então, ensina que é preciso se encontrar dentro do vasto universo da Medicina.

– Não é só ser médico. Tem que saber como você gosta de ser médico. Tem espaço para todos os tipos de pessoas.

Entre tantas histórias tristes que vive na rotina, escolhe seguir rememorando aquelas que são boas.

– Os atendimentos de traumas são gratificantes. Você consegue dar um conforto para o paciente quando ele está extremamente ansioso. Costumo conversar, tentar acalmar um pouco.

Na pandemia, vive parte delas. Uma amiga médica, que vive na Bahia, contraiu o coronavírus e ficou internada em estado grave. De longe, Felipe conseguiu ajudá-la conversando por telefone, orientando, acalmando.

– Ver os colegas se recuperando, poder ajudar, se sentir útil para os próprios colegas de profissão é muito bom.

Não deixa de tomar as medidas de segurança – afinal, o vírus ainda é uma incógnita.

– Fiquei um pouco mais destemido, mas tomo todos os cuidados, porque não sabemos. Hoje a gente tem uma verdade, amanhã é outra.

Depois de vivenciar o vírus, entretanto, redobrou as energias para combatê-lo.

– Essa sensação de poder ajudar, fazer o bem para as outras pessoas é o que me move.

Para Felipe, é mais um dia na linha de frente.

Fotos: arquivo pessoal

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