Esta história faz parte do projeto “Força Italiana”, iniciativa da Casa da Memória Italiana, produzido em parceria com o História do Dia. Para conhecer mais acesse www.casadamemoriaitaliana.com.br!
Na música de Alexandre, vibram os acordes de uma história italiana. Seu canto, suas notas no piano têm raízes nas famílias que saíram da Itália buscando escrever trajetória de prosperidade no Brasil. Perticarrari, a do pai. Mazzer, a da mãe.
Alexandre Mazzer Perticarrari tem legado em dobro!
A mesma varanda da casa onde ele, ainda menino, tocava seu pianinho na foto que hoje é recordação foi palco também para as canções de seu tio-avô, Salvino Perticarrari, com seu acordeão. A família vivia na mesma quadra. Nas lembranças de Alexandre, vibram os acordes do tio, que também teve a música como herança.
Salvino aprendera com o pai, João Perticarrari, bisavô de Alexandre. Conhecido como Pendurado, João tocava acordeão em bandas nos bailes de Sertãozinho, região de Ribeirão Preto, onde a família se fixou. Para cada filha que nascia, compunha uma canção e reunia os amigos músicos para gravar. Raízes de uma história musical que contagiou a família.
Entre os muitos tios das grandes famílias que se formaram em solo brasileiro, são vários os que encontraram encantamento em um instrumento, no canto, no teatro: nas artes! Alexandre diz, com o peito estufado de orgulho, que se alegra em estar entre eles:
– Eu acredito que meus antepassados estão felizes em ouvir o neto fazendo isso.
A música italiana causava emoção inata no jovem que começou a tocar de menino, elegendo os instrumentos musicais como brinquedos favoritos.
Como explicar o que mora do lado de dentro?
– Eu ouvia a música italiana e me identificava. Sentia que aquilo tinha a ver comigo. Se eu ouvisse em algum lugar, parava para admirar.
Quando foi convidado para assumir a coordenação do coro Mário Lazaro – I Cantanti della Cantina Piatto, que depois se transformou no grupo Memorie d´Itália, aceitou cheio de vontade, pronto para o desafio. Já havia se encantado pela ópera italiana na faculdade.
– O cantor que se propõe a cantar música italiana tem que conhecer a história desse canto. Essa língua que fala dentro de mim, de um repertório que não é da minha época, mas me emociona quando ouço e quando executo.
Hoje, o grupo, que integra a Casa da Memória Italiana de Ribeirão Preto e utiliza esse espaço para seus encontros e ensaios, soma quase 10 anos de histórias, com cerca de 30 participantes e apresentações que ficam na memória da cidade – e na de Alexandre.
– O concerto de Natal é um momento de grande realização. Ouvir a música italiana cantada daqui, da janela da Casa, como muitos italianos fizeram é uma emoção imensa.
Aos 34 anos, Alexandre já tem partituras de histórias com a música que nasce no passado. Mas pretende continuar escrevendo mais e mais capítulos, para um futuro musical.
As chegadas
Para rememorar sua história, Alexandre iniciou uma busca pela trajetória que vem de outrora. No dia da entrevista, contou que estava realizando uma expedição pelos registros das famílias – e que não pretendia deixar essa vontade adormecer.
– Eu estou descobrindo coisas dos meus antepassados na minha rotina e até no meu comportamento. Sinto que hoje vivo muito em virtude daquilo que minha família me proporcionou com as experiências que ela teve. Esses laços têm me motivado a seguir.
Na história que resgatou, há muita força. Tataravós, bisavós, avôs que trabalharam para conquistar um espaço em terra estrangeira.
– O que eles tinham era a língua, a paixão pelo país que deixaram e a família que trouxeram.
Antônio Perticarrari, seu trisavô, deixou a Itália, comuna de San Severino Marche, por volta de 1890 para trabalhar na lavoura em Sertãozinho. Se fixou em uma fazenda que, pelas pesquisas da família, ficava próxima do que hoje é a região central da cidade.
João “Pendurado”, um de seus filhos, além de ficar conhecido pelo acordeão em toda cidade, também trabalhava como alfaiate. Antônio Perticarrari Neto, filho de João e avô de Alexandre, também ficou conhecido, mas o ofício era a mecânica.
A “camionete do vô Tonico”, como os netos chamavam seu Ford 59, foi restaurada por familiares e Alexandre diz que está com a família ainda hoje.
Antônio Perticarrari Neto se casou com Iracema Tognon e teve cinco filhos. Ela faleceu aos 38 anos, por problemas de coração. Os filhos cresceram sem a mãe e começaram a trabalhar cedo. Alexandre conta que seu pai, Vilson Roberto Perticarrari, começou a trabalhar aos 12 anos. O principal ofício foi a pintura de caminhões e máquinas agrícolas.
– Eu sinto que eu estou revivendo o passado dos meus antepassados. Isso traz para nós uma identidade. Na vida moderna, a gente se distancia da nossa identidade, da nossa origem.
Os encontros
Os Mazzer chegaram ao Brasil em 1887, de vapor Bourgogne, porto de Santos. Partiram da região de Treviso, no Vêneto. Angelo Mazzer e Regina Prizzon, com 41 e 42 anos, deixaram a Itália com seus nove filhos e escolheram Sertãozinho para viver.
Trabalhavam na Fazenda da família Dumont, onde cresceu Antônio Mazzer, um dos filhos, bisavô de Alexandre. Ele tinha dois apelidos: “galetto” e “barbatoni”, que o bisneto acredita ter vindo de seu farto bigode.
Amadio, filho de Antônio e avô de Alexandre, também trabalhou na lavoura por um tempo, depois foi mascate, vendendo legumes em uma carriola. Domingo era dia de missa. Quando ele voltava para casa, era esperado por uma fila de clientes querendo cortar os cabelos: outro ofício.
Se casou com Aurora Magro e tiveram seis filhos, entre eles Sílvia Regina Mazzer Perticarrari, mãe de Alexandre, sua grande inspiração.
Quando criança, Sílvia teve paralisia e passou 10 anos sem conseguir andar, realizando cirurgias para se recuperar. Conseguiu retomar os movimentos e seguiu com a vida. Alexandre se lembra de quando ela vendia potes de cozinha de casa em casa, seguindo o exemplo da avó.
– Minha mãe é um exemplo de superação por tudo que ela passou. O enfrentamento da vida, a coragem: ela ousou.
As histórias das duas famílias se cruzaram pela primeira vez em 28 novembro de 1959, nesses acasos da vida que não se sabe dizer quanto têm de acaso e quanto têm de destino.
Sílvia nasceu no dia 14 daquele mês. Em seu registro de nascimento, está a assinatura de Antônio Perticarrari, pai de Vilson, como testemunha.
A história colhida por Alexandre é a de que era comum pedir que quem estivesse passando por ali testemunhasse no registro. Estava passando o homem que se tornaria sogro de Sílvia 27 anos depois. Acaso?
Sílvia e Vilson se conheceram em 1979, na praça central de Sertãozinho, ponto de encontro da juventude. Todos andavam em círculo, homens para um lado, mulheres para o outro. Os olhares se cruzaram e o namoro se alongou por sete anos, antes do casamento.
A história do registro é questão de honra para o casal.
– Meu pai faz questão de dizer!
O que tem, então, no canto de Alexandre? Toda força – e o amor – italiano de suas famílias.
Música nas veias
Alexandre é o filho mais velho de Sílvia e Vilson, que têm também uma filha de 18 anos, Ana Flávia. Ele cresceu em cenário feito de festa, música, alegria.
– Todos ouviam muita música, rádio, fita cassete. Passei a infância tocando pianinho, gaita de brinquedo.
O despertar musical, de fato, se deu na igreja. De família muito religiosa, Alexandre ia às missas semanalmente, acompanhando a avó, e se encantava com o coro, acompanhado por um órgão, instrumento parecido com um piano.
– A paixão nasceu ali!
Quis fazer aulas de piano logo, logo. Os pais apertaram as contas, lhe compraram um teclado e fizeram a matrícula.
– Eu ia às aulas como se fosse o maior prêmio da minha vida! Nunca mais parei de tocar!
Com 10 anos, já tocava no coro da igreja, seu primeiro palco. Aos 14, quando quebrou o fêmur, subia as escadarias da paróquia de andador para não deixar o grupo sem som.
Chegou até a entrar no seminário, onde ficou por dois anos e quatro meses, antes de perceber que queria seguir carreira na música, em 2004.
Em 2005, aos 21 anos, começou a faculdade de música na Unaerp e logo passou a participar do coral da universidade. Foi se encontrando, entre as notas e os palcos.
No currículo, estão óperas e grandes apresentações como barítono e pianista.
Em 2007, recebeu um convite para trabalhar como professor na Adevirp (Associação dos Deficientes Visuais de Ribeirão Preto), onde atua ainda hoje. Há três anos, também integra o projeto USP Música Criança e a Academia Livre de Música e Artes (ALMA), em São Joaquim da Barra, levando musicalidade para a criançada.
– Foi um processo de conhecimento. Busquei cursos, capacitações. Eu tinha a música, só precisava fazer a troca.
Em 2015, assumiu o coro que se tornou o Memorie D´Itália, onde também permanece ainda hoje, sem vontade de sair. O coro Mário Lázaro, ele conta, começou cantando em um restaurante italiano, a cantina Piatto. O grupo foi fundado e regido por Mário, chamado de Lazinho, por cerca de quatro anos. Quando o maestro não pôde prosseguir mais, Alexandre assumiu.
No repertório, clássicos da música italiana: “O sole mio”, Parlami D’amore, Mariù”, Nel Blu dipinto di blu”, “Maria, Marie”. Canções que carregam história em cada acorde.
– Meu bisavô Barbatoni, austero que era, gostava de cantar música italiana. Eles se reuniam no cafezal, e ficavam cantando. É um repertório que fala da história das minhas famílias: que tocava na vitrola da minha avó, que inspirava meu avô.
A música italiana, de técnica centenária e maestra em notas e afinação, cativa o cantante brasileiro.
– O canto nasceu do lirismo, dessa forma recitada do romance, da poesia. E o italiano transforma isso em música como ninguém.
Além da técnica, onde não há partituras, só subjetividade, a música de Alexandre é vida.
– Eu nunca me separei da música. Ou a música nunca se separou de mim. Eu me completo ouvindo, tocando. O contato com aquele que toca comigo, que escuta, que aprecia me move a fazer mais e mais. A querer tocar o coração das pessoas, tirar o sorriso de alguém, transmitir uma história.
História feita de muitas e muitas notas, com início do outro lado do oceano.
– Eu vejo muitas pessoas que não sabem da história da família. E os italianos são privilegiados, porque o que eles são, a origem, se perpetua. Parafraseando um autor, Eugenio Marino: o italiano é o povo que, como nenhum outro, soube cantar sua diáspora. Transformou em música o seu ir embora.
“Con te partiro, su navi, per mari”: que a canção nunca se acabe!
Legendas
1 e 2 – Alexandre ao pianinho na varanda onde tocara também o tio Salvino
3 – Alexandre no teclado tocando com os tios e primos da família Perticarrari
4 – Alexandre na Casa da Memória Italiana (crédito História do Dia)
5 – Antônio Mazzer, conhecido como “Barbatoni” e “Galetto”
6 – Festa de casamento de Ofélia Perticarrari, filha de João, com Osvaldo Longhi. À esquerda estão João Perticarrari e a esposa Catarina Montini Perticarrari.
7 – Registro de Nascimento de Sílvia Regina Mazzer, onde consta o nome de Antônio Perticarrari como testemunha
8 e 9 – Primeiras atuações de Alexandre no teclado
10, 11 e 12 – Apresentações do coro Memorie D´Itália
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Parabéns Ale!!!!! Você é fantástico!!!! Que maravilha!!! Continue assim! Você é um grande guerreiro! Te admiro muito!
Que linda historia, …que energia que vem da primeira infância mergulhada na melodia, esse dom ninguém tira…sua dedicação a musica e a quem compartilha seus conhecimentos são notórios e reconhecidos,……Parabéns por tornar publica essa relíquia de família…..Parabéns por ser quem é- e por transmitir tanta energia boa….Que sua trajetória continue sendo de muito sucesso…você merece….abraços carinhosos a toda família e a você minha admiração profunda você e especial
Parabéns, “Alê”, nosso querido Alexandre Mazzer. Merecida homenagem e parabéns pelo belo trabalho, acima de tudo sem nunca perder a humildade. Sou sua fã.
Me emocionei muito parabens querido muito sucesso para vc
Parabéns pela “breve história”…. muito emocionante!! Que Deus continue te abençoando com esse dom e que todos ao seu redor sejam tocados por essa paixão!!
Conheci Alexandre Mazzer no dia 04/06/2022, quando acompanhamos o Tenor Jean Willian em Catanduva.
Alexandre tem uma musicalidade e uma energia impar.
Talento, tem de sobra.
Foi uma honra!