Na casa de Vanessa, o autismo é em dose tripla – e a garra também

2 abril 2019 | Gente que inspira

Lucas tem mais dificuldades para falar. Bernardo não gosta de se relacionar. Benício quer desorganizar tudo em volta. Os três, com suas singularidades, exibem sorrisos sapecas na foto que a mãe postou para compartilhar a notícia que se confirmou na semana passada.

Hoje é um dia especial para Vanessa Ziotti, 30 anos. Engajada em projetos sociais, ela costumava participar da data organizando ações. Desta vez, porém, compreende a importância de cada palavra com o coração inteiro.

Há cinco dias, soube que seus três filhos – trigêmeos de 1 ano e 10 meses – têm Transtorno de Espectro Autista (TEA).  Apesar da pouca idade, a mãe explica que os sinais que eles apresentam levou a equipe médica ao diagnóstico, principalmente como caminho para iniciar uma estimulação precoce.

“Quanto mais cedo for feito o diagnóstico, melhor. Esperar até depois dos quatro anos é possibilitar que a criança tenha bloqueios, deixando de trabalhar o desenvolvimento desde cedo. Nós temos de zero a seis anos para estimular, potencializar a criança e é importante fazer o máximo possível nesse período de desenvolvimento”, explica a fonoaudióloga Karoline Gomes, que acompanha os meninos.

Maria Carolina Martone, coordenadora da Fundação PANDA (Programa de Apoio ao Desenvolvimento e Aprendizagem), com sede em Ribeirão Preto, complementa: “A criança precisa ser estimulada para aprender a fazer as coisas que não faz. A intervenção precoce e bem-feita minimiza muito os sinais e faz com que a criança tenha uma vida muito melhor”. (leia mais abaixo)

Entre os irmãos, o primeiro a ser diagnosticado foi Bernardo, em janeiro deste ano. A família buscou informações, terapias e acolhimento. No dia 28 de março, o diagnóstico de Lucas e Benício veio, depois de um alerta da professora, percebendo que os dois apresentavam comportamento diferente das outras crianças.

Tudo é muito recente, mas a mãe já arregaçou as mangas.

– Nossa história está acontecendo agora, em tempo real.

O choro veio, claro. Mas só quando o dia acabou. Desde então, tem sido assim. Enquanto os meninos estão acordados, Vanessa coloca o medo lá no fundo da gaveta e veste a coragem. Bernardo já passa por terapias. Lucas e Benício, ela diz, precisam começar o quanto antes.

– O tempo não é nosso amigo agora. Nós temos que seguir em frente com o tratamento dos meninos. Em nenhum momento a gente negou a situação. Preferimos resolver.

Para Vanessa, o Dia Mundial de Conscientização do Autismo, celebrado neste 2 de abril, é momento de compartilhar informação, redobrar as forças, desfazer mitos e, principalmente, acolher.

 – É uma data para celebrar a informação, que é a única forma de combater o preconceito e a intolerância. É um dia para compartilhar as conquistas e, principalmente, para que todas as famílias que passam por isso se sintam acolhidas umas pelas outras.

Vanessa Ziotti trigêmeos autismo

Vanessa conta que sempre quis ser mãe. O sonho começou a tomar forma em 2015, quando passou a dividir a casa – e a vida – com o namorado. Se casaram em 2016, compartilhando a mesma vontade de serem pais.

Em julho, iniciaram os exames preventivos para tentar a gravidez. O médico disse que, pelo longo tempo tomando anticoncepcional, Vanessa poderia demorar até três anos para engravidar. Três meses depois, ela estava grávida de trigêmeos.

A família se organizou para receber bebês em dose tripla! A mãe de Vanessa, que é de Ribeirão Preto, se mudou para São Paulo, onde a filha advogada mora há sete anos, por questões de trabalho.

Os bebês nasceram prematuros, no dia 26 de maio de 2017, e passaram três meses na UTI neonatal antes de, finalmente, conhecerem a casa onde sempre foram tão esperados.

Depois da sonhada alta hospitalar, tudo transcorreu normalmente.

– Nós tivemos a orientação de que, por serem prematuros, eles poderiam demorar mais para fazer algumas coisas. Mas fizeram tudo no tempo convencional: sentaram aos seis meses, andaram com um ano.

A partir daí, Vanessa e o marido perceberam que os pequenos tiveram uma regressão no desenvolvimento. As palavras que balbuciavam, na tentativa de falar, silenciaram. Os brinquedos não são utilizados para brincar. Ao invés de brincarem uns com os outros, os meninos se ignoram. Não fixam o olhar. Bernardo passou a ter comportamentos repetitivos.

Os pais anotavam e filmavam a rotina dos bebês, para conseguirem analisar o que estava ocorrendo.

Bernardo, inicialmente, apresentou um sinal que chamou mais a atenção. Em dezembro do ano passado, ele teve uma crise de choro durante um passeio no shopping. Só parou de chorar quando a mãe encontrou um lugar silencioso. Foi a gota d´água para os pais procurarem uma neurologista. Após um longo exame clínico, o Transtorno do Espectro Autista foi o diagnóstico.

– A médica explicou que só é possível fechar o diagnóstico após os quatro anos, mas, com todos os sinais clínicos, era mais que necessário entrar com as terapias para que ele se desenvolva.

Iniciaram, então, as estimulações. Mas pouco depois perceberam que os outros dois irmãos também apresentavam sinais.

– Como só o Bernardo teve a crise de choro, nós achamos que os outros dois não tivessem o autismo, pela desinformação. Depois que comecei a me informar, vi que nem todo autista vai ter pavor de barulho ou crise de pânico na multidão. Como é um transtorno que afeta a habilidade social, e a gente pode se expressar socialmente de diversas formas, eles não serão afetados de forma igual.

A professora da escola regular onde eles estudam é que fez o alerta decisivo. E a mãe confirmou, com exame clínico, que Lucas e Benício também apresentam transtornos de desenvolvimento.

 

É tudo muito novo para Vanessa e a família que, mais uma vez, se reinventa. Conta com a ajuda da avó, os pais se desdobram para trabalhar e cuidar dos pequenos.

– Eu acho que nós estamos indo muito bem! É uma oportunidade para nos resignificarmos enquanto seres humanos, enquanto pais e vermos exatamente o que importa.

Três? O susto que a maioria leva já é tratado com naturalidade pela mãe, que aprendeu a multiplicar tudo desde que os pequenos nasceram.

– Eu nunca fui mãe de um filho só. Para mim, não é estranho que as coisas aconteçam de forma triplicada. Não é fácil, mas é minha realidade.

Ela encontrou um propósito para o que a vida lhe trouxe.

– Entendo que minha função é ser ponte, caminho para que eles possam desenvolver habilidades e se desenvolverem da melhor maneira possível.

Desde o diagnóstico de Bernardo, ela já havia tomado a decisão de vestir a camisa do autismo, na luta contra o preconceito. Agora, tem motivos em dose tripla.

– A minha missão é abraçar a causa de alguma forma para que eu possa ser útil para outras pessoas, além deles.

Ela conhece pais que ainda não conseguiram aceitar o diagnóstico e, na própria família, vive essa situação de “luto” entre alguns integrantes.

– O luto ocorre porque você idealiza a criança e não é nada daquilo. Aquele filho idealizado morre no dia do diagnóstico. E nasce ali seu filho de verdade, real, o único, que você vai amar incondicionalmente.

Entende a dor, mas decidiu que não há tempo para isso, com uma força que a gente fica se perguntando de onde vem.

A mãe diz que Bernardo, que já começou o tratamento de Análise Comportamental Aplicada, apresenta melhoras no desenvolvimento. A fonoaudióloga confirma. Explica que desde que começou as terapias Bernardo teve evoluções na comunicação e na alimentação. Um dos sinais do autismo é a dificuldade que a criança tem em se alimentar. A escola municipal onde os irmãos estudam, em São Paulo, tem dado apoio e acolhimento, força essencial para que esse desenvolver ocorra, Karoline aponta.

Vanessa Ziotti trigêmeos autismo

“As pessoas precisam ter a consciência de que não é doença, não é um bicho de sete cabeças. Todos têm potenciais, que precisam ser estimulados e valorizados. Muitos pais acham que seus filhos não vão falar, não vão se desenvolver. A busca vem do que você quer para o seu filho. Todos têm um potencial. Se não é em uma área, pode ser em outra”, ressalta a fonoaudióloga Karoline.

É isso que Vanessa quer, o quanto antes, para Lucas e Benício.

– A única coisa que pode ajudar uma mãe a melhorar desse estado de luto é ver o filho melhorar. A fonte inesgotável de força vem daí.

Postou uma foto em sua página no Instagram, “A mãe dos trigêmeos”, dias atrás, com um texto visceral: “Do luto à luta”, compartilhando o processo do diagnóstico e a decisão de seguir firme. O número de curtidas e comentários surpreendeu tanto que ela pensa em seguir postando, como uma forma de auxiliar outras famílias que vivem a mesma trajetória.

– O que mais me fez sofrer foi a falta de informação. Se você puder contar com outras mães, receber informações, orientações é muito melhor. No começo, é tudo muito assustador.

Hoje, os filhos idealizados deram lugar aos filhos reais, que, todos os dias, somam pequenas grandes conquistas. Os sonhos de futuro da mãe são simples, mas grandiosos. Talvez, o mais grandioso que se possa sonhar.

– A única coisa que eu quero é que eles sejam felizes. Que possam aprender e se desenvolver com muita saúde.

Hoje é dia de luta para Vanessa. Como tem sido em todos os outros até aqui. E como será também o amanhã.

 

Estimulação precoce

Maria Carolina Martone, que é doutora em Psicologia, coordenadora da Fundação PANDA (Programa de Apoio ao Desenvolvimento e Aprendizagem),  professora do curso de pós-graduação “Transtorno do Espectro Autista e Análise do Comportamento Aplicada (ABA)” do Instituto LAHMIEI/ UFSCar, explica que o autismo é um transtorno do desenvolvimento em que é possível “rastrear sinais preocupantes e, mesmo sem diagnóstico fechado, iniciar algum tipo de estimulação”.

“O quadro compromete o desenvolvimento de várias áreas, sobretudo da comunicação. A criança tem dificuldades em falar, em manter uma conversa conexa. Algumas vão desenvolver algum tipo de fala mais lacônica, mas não vão conseguir desenvolver uma conversa. E algumas não vão conseguir falar. Há também problemas na socialização. O interesse em algumas coisas é menor. E, atrelado a isso, há a possibilidade de a criança desenvolver comportamentos repetitivos: alinha objetos, repete movimentos com o próprio corpo, como balançar a mãozinha”, esclarece a coordenadora.

Maria Carolina diz ainda que hoje é possível, através de uma escala, perceber os sinais que indicam a necessidade de uma estimulação precoce, a partir dos oito meses de vida do bebê. E ressalta: “Nem sempre você tem um quadro de TEA. Em alguns casos, há um atraso na aprendizagem, que pode ser recuperado com estimulação técnica, específica”. De toda forma, quanto antes a estimulação for iniciada, melhor: “Começar a intervir precocemente só traz benefícios para a criança e para a família.”

O principal, ela esclarece, é estar atento ao desenvolvimento que cada criança apresenta, de acordo com cada faixa etária. “O que crianças de um ano e pouco deveriam fazer? O que essas crianças não fazem? A gente precisa criar e dar oportunidades para a criança praticar aquilo que ela precisa”, ressalta.

 

Links para mais informações:

http://www.fundacaopanda.com.br/

https://drauziovarella.uol.com.br/videos/entrevistas-em-video/como-diagnosticar-o-autismo-na-infancia-jose-salomao-schwartzman/

https://lagartavirapupa.com.br/

 

Fotos: arquivo pessoal

 

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5 Comentários

  1. Evelin

    E o amor em dose tripla, que Deus abençoe essa linda família!!!

  2. Pablo Sicchieri

    “Na casa de Vanessa, o autismo é em dose tripla – e a garra também”

    Primeiramente gostaria de expressar em apenas uma palavra o meu sentimento:

    ORGULHO….

    Tenho muito orgulho prima Vanessa e Gustavo.
    A forma como vocês estão conduzindo toda esta situação, nos fazendo realmente perceber que para tudo existe uma solução e que não existe bicho de sete cabeça.

    A omissão e principalmente a não aceitação, traria consequências drásticas aos Pequenos e principalmente para toda sua família.

    Seus Pequenos também terão muito orgulho de vocês, por tudo o que estão fazendo por eles, pela TRIPLA GARRA, pela entrega e principalmente por não ter se quer, um pingo de vergonha ou receio de expor essa situação a todos de forma integra e que ao meu modo de ver, apesar de momentos tristes que devem passar, pois não são de ferro, encaram isso com muita tranquilidade e felicidade estampada no rosto.

    Desta forma, todos poderão contribuir para o pleno desenvolvimento dos três Pequenos, mesmo que não estamos tão presentes pessoalmente, mas pode acreditar que estamos sempre acompanhando suas informações e torcendo sempre que tudo dê certo…

    Uma criança especial, necessita de PAIS especiais, de PAIS corajosos, de PAIS fortes e principalmente de PAIS que amam seus filhos acima de tudo…..sempre acima de tudo.

    Que Deus continue abençoando vocês nesta estrada de conhecimento e aprendizagem e superação a cada dia para com o bom desenvolvimento dos três Pequeninos priminhos dos nossos corações…

    Muito ORGULHO prima….
    Fiquem com Deus.
    Força sempre.

  3. Elisângela Araújo Firmiano

    Matéria perfeita maravilhosa!

  4. Maria INÊS Pavini Caramagno

    Como sempre emocionante Dani. Parabéns está ajudando com exemplos como lidar com o autismo, um outro olhar com muito amor.

    • Daniela Penha

      Obrigada, Inês!! Muito lindas suas palavras!!

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