Para professora Fernanda, educar é tarefa que exige constante mudança

18 março 2020 | Gente que ensina, Histórias do Proac 2019/2020

– Só a mudança é permanente na nossa vida, né? É como a sala de aula: você planeja, planeja e tudo pode mudar.

Poucos segundos de entrevista e Fernanda Maria de Oliveira escolhe a palavra que norteia seu fazer profissional e pessoal. Para ela, é preciso movimento, estar sempre em transformação: mudança.

Na sala de aula, não há problemas em transformar o conteúdo programado em um momento de acolher a aluna que está chorando porque o dente de leite caiu na pia e a fada não virá. Vamos escrever para a fada? Em segundos a sala está empenhada em uma produção textual, além de ter sido convidada à empatia: que tal ser solidário com a tristeza da amiga?

Fernanda, 48, acredita nesse jeito de ensinar e, há 32 anos, desde que entrou na sala de aula pela primeira vez, ainda como assistente, busca aprimorá-lo.

Ribeirão-pretana, conta que a leitura sempre fez parte da sua vida. Na segunda série ganhou da professora o livro “A fada que tinha ideias” como presente por seu empenho de leitora. Marcou sua trajetória.

A mãe foi auxiliar de enfermagem, costureira, batalhadora. O pai era perueiro de escola, o que colocava Fernanda em contato constante com o ambiente escolar.

– Pensa se não era tudo o que eu precisava da vida?

Aos 15 anos, uma sacudida da mãe foi decisiva. Saiu para se matricular no magistério do Otoniel Mota e voltou dizendo que a fila estava muito grande. Desistira, então. A mãe ficou inconformada: “Volte agora!”. Foi a ordem.

– Eu tenho que agradecer muito a ela. Ela ficou muito brava comigo! Eu voltei e me tornei professora. Ela fala disso com muito orgulho ainda hoje.

Ainda cursando o magistério, aos 16 anos, começou a atuar como assistente de sala, em uma instituição particular. Não teve dúvidas sobre a escolha profissional.

– Eu sempre gostei de estar junto com as pessoas. Acredito muito nesse ensinar como via de mão dupla.

A trajetória teve aulas na rede particular, cargo de coordenadora e diretora, além de 27 anos como professora do Sesi. Fez pedagogia, quando já tinha sua segunda filha, com apoio da família (é mãe de um casal).

Desde 2014, é professora da rede municipal de Ensino de Ribeirão Preto. Também lecionou para adultos na EJA (Ensino de Jovens e Adultos).

– Eles querem tirar carta, ler o painel do ônibus. É uma experiência que se guarda para o resto da vida: mostrar para eles que são cidadãos, que tem direitos, não só deveres.

Como professora dos funcionários de uma usina, foi acumulando vivências.

– É preciso delicadeza. Saber o quanto você vai contribuir com a realidade deles e não tirar aquilo que é deles.

O ano de 2020 trouxe mudança! A tão constante palavra. Sentiu que era hora de reinventar os rumos. Deixou o trabalho no Sesi, entre muito choro e coração apertado, para seguir como professora da rede municipal.

– A mudança dá medo, mas é necessária. A gente se reinventa. Nas mudanças, eu gosto do caminho.

Professora Fernanda História do Dia

Fernanda passou por várias salas de aula, mas a maior parte da trajetória tem sido dedicada a alunos do primeiro ano do Ensino Fundamental, em fase de alfabetização.

– O primeiro ano é muito mágico. Me marca muito saber que fui a primeira professora.

O laço com os alunos, ela garante, nunca se desfaz. Encontra ex-alunos já adultos e consegue se lembrar quem tinha letra caprichada, quem mais ou menos delicada.

Com alguns, mantem o nó atado. Vai às formaturas, aniversários, casamentos. Da mesma forma como lembra, é lembrada com carinho.

Marcas que vai deixando no dia a dia de sala de aula.

– A gente é responsável por aqueles que passam pela nossa vida.

Começa o dia com afeto. Abraços e beijos em abundância para recepcionar os alunos. Depois, vem o momento de reflexão e pausa. Incentiva os pequenos a repetirem que são sensacionais, maravilhosos. Verbalizando, vão construindo o amor próprio.

– As pessoas são capazes. Se um consegue, todos conseguem. Talvez vou ter que me esforçar mais com um, mudar o jeito com outro.

Jogos, rimas, brincadeiras, leituras estão entre as práticas diárias de ensino e aprendizagem. Conta sobre uma aluna que não sabia somar os números dos dados porque nunca havia tido contato com aquele dispositivo.

– Quando ela descobriu que era capaz, foi muito interessante! Percebeu que conseguia! A matemática é assim: eu posso falar, mas não sei se vai entrar. É preciso mostrar para a criança o conceito daquilo. Às vezes ela não está dando conta do que você está falando.

“Complexo de Gabriela”? Fernanda usa Jorge Amado para incentivar a mudança!

– Eu nasci assim, cresci assim, vou ser sempre assim? Não vem, não! Dá para mudar!

Com as famílias também emprega o que acredita. A mãe que não deixava o menino carregar a própria mochila? Foi para a conversa! Fernanda explicou que era preciso respeitar o espaço do filho, que ali era aluno. As duas se entenderam e o menino pôde aprender, amadurecer.

– É mostrar para a criança que cada um pode ser o que quiser, desde que escolha. O que não pode é ficar parado no caminho.

Professora Fernanda História do Dia

Ao longo da trajetória foi mudando práticas, revisando condutas. Diz que já corrigiu na folha do aluno, escreveu por cima da letra dele, apagou, amassou. Hoje, tem outro agir.

– Eu peço para escrever na folha dele, para apagar. A gente não tem direito de intervir ali.  O papel é dele, a prova é dele. Temos que ter cuidado em como vamos marcar a vida deles. A criança está aprendendo. Se você fala ‘não é desse jeito’ ela vai achar que não é capaz.

Nem todo mundo entende essa maneira. Já recebeu bilhetes de mães que lhe fizeram chorar. Seguiu em frente.

– Todo mundo dá um pitaco na sala do professor. O professor pode até fazer do jeito que o outro falou, mas o aluno só vai aprender se tiver uma comunhão com o que você está ensinando. Se for só cumprir currículo, ninguém vai aprender nada. Nem ele e nem você.

Tem dias que tanta entrega cansa, ela não nega. “O professor não descansa nunca”, diz.              – Cansa quando você vê que a escola não é valorizada, quando dizem que você é folgada. Cansa ver o abandono, a escola fechada.

A educação no Brasil?

– Eu vejo muitas coisas tristes. Parece que é uma educação pensada para a indústria, para o emprego. Que estamos andando para trás. Não vejo motivação para que as pessoas estudem mais. Espero que nós professores possamos mostrar que o aprendizado é importante, que a leitura é importante.

Encontra formas de driblar o cansaço. Retoma as energias com o carinho que recebe dos pequenos diariamente, com as famílias que entendem a importância do que faz.

E segue, acreditando.

– É essa troca, essa curiosidade que me move. É ela que vai fazer a gente conseguir com que outras crianças e adultos cheguem aonde eles quiserem. Eu não me vejo fazendo outra coisa, que não sendo professora.

Gosta dos cata-ventos.

– É a mudança. O invisível me movimenta.

Professora, que se move com o vento, para todas as direções.

Há dois anos, se aposentou no papel. Na prática, é ideia que nem cogita.

– A vida? É buscar sempre o sentido, não parar nunca. É igual cata-vento.

 

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4 Comentários

  1. Ana Claudia Alves Legore

    Fernanda é uma amiga muito querida. Contribuiu muito para minha formação e com certeza faz a diferença na educação brasileira e sorte nossa em nosso município.
    parabéns para a reportagem..

    • Lucia Maravilhosa

      Fernanda é um amor de pessoa…daquela que a gente conhece e nunca mais esquece….vibrante….ama o que faz e faz porque ama…linda….te amoooo muitooo

  2. Elaine Cristina Freitas Cândido da Costa

    Conheci a Fernanda na faculdade, sempre persistente, determinada e apaixonada pela educação. É um exemplo a ser seguido.

  3. Maria José

    Fer é um prima muito querida e amada. Linda, que Deus continue a abençoar sua trajetória devsucesso. Bjs

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