Para professora Maiara, a educação deve respeitar as diferenças

27 setembro 2019 | Gente que ensina, Histórias do Proac 2019/2020

Esta história foi narrada pela jornalista Daniela Penha. Para ouvi-la, é só clicar no play: 

 

Para ensinar matemática, uma lojinha é montada na sala. Mas não é uma lojinha comum. É feita com embalagens, panfletos e cédulas reaproveitadas. Os alunos, entre sete e nove anos, aprendem como funciona o sistema monetário e o consumo consciente.

A leitura é diária, no começo da aula. Depois de um tempo semeando, a professora Maiara diz que conseguiu transformar seus alunos em leitores.

– Comecei lendo para eles, depois distribuía livros, eles liam e compartilhavam com a sala e aí veio a leitura coletiva. Hoje tem até briga para ver quem fará a leitura daquele dia.

Confeccionaram um enorme microfone, trazendo o lúdico também para este momento. Os alunos seguram o artefato e contam suas histórias.

Se o tema em geografia é relevo, a professora confecciona montanhas e declives com massinha. Para aprender o translúcido e o opaco, ela faz filtros de cores.

A aula de Maiara Cristina Moraes está sempre além da apostila em suas “práticas pedagógicas”, levadas na literalidade.

– Se não colocar a mão na massa para eles experenciarem aquilo, eles não vão aprender. Depois da prática, nós vamos para o livro. Eu tento dar o protagonismo para eles, despertar a curiosidade.

Aos 36 anos, a trajetória de Maiara como professora é feita de buscas e transformações.

– O ser humano nunca está pronto. Tem que buscar todos os dias. O ser humano muda e a educação tem que acompanhar.

Mulher negra, de família simples, leva sua história e identidade para a sala. Seja nos cabelos com dread ou na forma como entende a educação e o ser-aluno.

 – Como eu tenho consolidado em mim o que eu sou, eles já se identificam. Percebendo quem você é, você não precisa provar nada para ninguém.

Professora Maiara História do Dia

Sua mãe foi a maior incentivadora. Não pôde estudar, mas fez além do possível para que os seis filhos estudassem. Ela era dona de casa e o marido motorista de caminhão. A simplicidade nunca lhe afastou dos livros, como a filha Maiara diz. Hoje, as duas, leitoras assíduas, trocam indicações e exemplares.

– Ela dizia: ‘Vá para a escola e seja o melhor aluno’.

Maiara é a segunda filha mais nova. Conta que quando tinha quatro anos, idade para entrar na escola, foi morar com os avós. O bairro onde vivia com os pais, Ipiranga, não tinha vagas para a educação infantil. No bairro da avó, Campos Elíseos, tinha.

– Minha mãe acreditava que quanto mais tempo eu passasse na escola, melhor seria para mim. Eu sofri um pouco. Chorei muito. Mas saí de lá alfabetizada, com seis anos. E tive recursos culturais que poucas crianças tinham. Minha avó me levava no teatro, no circo.

Aos sete anos, quando o irmão caçula nasceu, voltou a viver com os pais e a frequentar a escola no seu bairro. Fez todo o percurso escolar em instituições públicas.

Quando estava no Ensino Médio, decidiu trabalhar, a contragosto da mãe, que queria que ela dedicasse o tempo aos estudos. Durante o dia, Maiara era vendedora em uma loja e a noite cursava o Ensino Médio na Escola Estadual Otoniel Mota.

Depois de um tempo, se cansou da rotina de vendas e percebeu que, se quisesse “conhecer outras coisas”, como diz, teria que estudar. Foi em busca da faculdade.

Decidiu fazer Pedagogia porque se interessou pelo curso.

– A grade era bacana. Me chamou muito a atenção a Sociologia e a Antropologia, mas nunca tinha parado para pensar em dar aula.

No estágio, conheceu a sala de aula. Começou com Educação Infantil.

– Eu achava que era minha vida!

Depois, foi para o Fundamental I e descobriu que precisaria de muitas vidas para tanto encantamento. Explica que se encontrou na Educação Especial, área em que se especializou.

– Me encanta saber que eu posso fazer a diferença na vida da criança. Mostrar que ela pode, sim. Se você olhar superficialmente, só vai enxergar a dificuldade, não a habilidade que o sujeito tem. Atrás da dificuldade, ele tem habilidades como qualquer pessoa. Basta que ele tenha a possibilidade de mostrar.

Há 10 anos, então, ela trabalha com alunos com algum tipo de deficiência, fazendo adaptação curricular e, mais recentemente, cuidando da sala de recursos multifuncionais da Escola Municipal Professor Jarbas Massullo. Quis “mais”, como diz. E também atua como professora no ensino regular, com alunos do terceiro ano da mesma escola.

– Eu gosto sempre de ter os dois lados. Não posso pregar uma coisa que eu não estou vivenciando. Eu prego uma coisa e pratico, para ver se dá certo, se é possível, se faz efeito.

Pela manhã, então, ela atende na sala multifuncional, onde presta acolhimento aos alunos e suas famílias, faz adaptação curricular e auxilia outros professores em suas práticas.

– Eu sempre trabalhei com inclusão, pessoas com deficiência no ensino regular. Só que o ensino regular já vem pronto, homogeneizado o conteúdo, currículo. Tudo igual. E a gente não aprende tudo igual. Você vai fazer a adaptação curricular a partir das peculiaridades daquele aluno. Eu adapto o conteúdo e ele vai conseguir aprender dentro das habilidades deles.

No período da tarde, vai para a sala de aula. E encontra energia para os estudos da noite. Tem especialização e pós-graduação no currículo e se prepara para tentar o mestrado em Educação Especial em uma universidade pública.

– Eu me sinto realizada! Muito! Mas não estou pronta. Acho que não saberia fazer outra coisa, mas tenho que estudar ainda, para poder contribuir mais, em vários aspectos. Nunca vou estar acabada.

Professora Maiara História do Dia

A realização contrasta com a desvalorização que sente em relação a profissão que tanto gosta. Mas segue, sem deixar o desânimo se aconchegar.

– Não é valorizada. Mas a gente não pode esperar esse valor para fazer alguma coisa. Tem que dar o seu melhor todos os dias, porque às vezes o aluno vem na escola só porque você dá o melhor para ele. Às vezes ele não tem um melhor fora da escola. Você tem que mostrar só o bom, porque o ruim ele já conhece.

Encontra sua valorização nos retornos que recebe de seus pequenos.

– Quando o aluno me dá um feedback sobre a aula é gratificante. Ele está valorizando meu trabalho. E isso está colaborando para o desenvolvimento dele.

Acredita que a valorização da escola e do professor precisa começar na família.

– É muito complicado exigir que a criança valorize a educação se a família não valoriza. Muitas crianças vêm para a escola sem saber o porquê.

A profissão que escolheu não é fácil, ela diz. E procura se nutrir e se questionar. Tira algumas horas para cuidar das plantas, ouvir música e refletir. E não pensa em parar. Bem o contrário, quer mais e mais.

– Eu nunca pensei que eu iria chegar onde estou. Quando eu vejo de onde vim, com carência de recursos mesmo… a gente pensa que está distante da gente e não está.

Olha para si – e para a história que está escrevendo – e encontra uma porção de motivos para querer mais. O principal deles, entretanto, está na possibilidade transformadora que mora na educação feita com amor.

 

*Quer traduzir essa história em libras? Acesse o site VLibras, que faz esse serviço gratuitamente: https://vlibras.gov.br/

 

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3 Comentários

  1. MAIARA

    O TRABALHO QUE A JORNALISTA DESENVOLVE É MARAVILHOSO, FAZ COM TANTA LEVEZA E DEMONSTRA QUE O JORNALISMO PODE SIM SER LEVE. NÃO DIRIA QUE É UMA ENTREVISTA, PARECE MESMO UM BATE-PAPO DE TANTA SUAVIDADE . PARABÉNS DANIELA PENHA POR TRAZER GRACIOSIDADE À ESSA SUA PROFISSÃO.

    • Daniela Penha

      Muito obrigada, Maiara pelas lindas palavras! Um grande abraço!

  2. Marcelo

    Culturalmente e politicamente nosso país nunca valorizou a Educação como deveria. Hoje o resultado se reflete em uma sociedade atrasada, influenciável e não-pensante. Só não estamos piores graças a profissionais que agem como verdadeiros heróis e vencem desafios quase sem apoio.

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