Pimenta ‘desafiava a vida’ com adrenalina

16 julho 2018 | Gente que inspira

Ultraleve, planador, avião, mergulho, bungee jump, paraquedas, trilha, acampamento, corrida de carro e kart, 12 anos competindo em demolition car.

Tudo registrado em centenas de fotos que Pimenta guarda como lembrança.

– Eu acho que fiz pouco ainda, honestamente. Poderia ter feito bem mais.

A história do dono de uma das primeiras oficinas de desmanche de carro de Ribeirão Preto vai além dos 40 anos no mesmo ponto do bairro Campos Elíseos.

Na folga do trabalho Pimenta escrevia a trajetória de busca incessante por aventura que registrou nas fotografias. Algumas estampam as paredes da tradicional autopeças.

– O frio na barriga misturado com a adrenalina que é gostoso. É um coquetel!

O homem grisalho, com seus 64 anos – revelados com muita insistência! – que hoje passa os dias na oficina já teve apelido de “diabo loiro” pelo jeito fora da curva de ser.

– Eu cheguei a pôr fogo em um carro meu. Passei o dia consertando e nada. Me deixou na mão lá no antigo Auto Cine, que ficava onde hoje é a avenida Presidente Vargas. Taquei gasolina e coloquei fogo. Passei uma noite preso porque é proibido pôr fogo em carro.

Quem vê as fotos imagina que era feliz o homem estiloso segurando troféus ou voando de planador. Os vizinhos que julgavam o temperamento de Pimenta também não sabiam o que morava por dentro da subversão.

– Eu tinha até decidido comigo mesmo que não falaria sobre esse assunto.

O tema que queria segredar é um dos primeiros que ele aborda na entrevista. Como se precisasse esclarecer parte tão triste da sua história. Como um desabafo que se esconde entre os sorrisos das fotografias.

– Talvez, isso que passei tenha sido a semente de tudo o que fiz. Eu precisava me encontrar.

Faz uma pausa. E conclui:

– E não me encontrei. Me sinto da mesma forma.

Dois acidentes. No primeiro, Pimenta perdeu os dois filhos ainda bebês. No segundo, sua mulher perdeu o movimento das pernas. Sobre o primeiro ele não entra em detalhes. Sobre o segundo confessa que estava empinando o triciclo, que capotou em alta velocidade.

A tragédia não foi freio, entretanto. Funcionou como acelerador.

– Eu comecei a desafiar as leis de tudo. Talvez, até como forma de me cobrar. Eu pensava que minha família já estava despedaçada…

Pimenta autopeças Campos Elíseos Ribeirão Preto

Aos 12 anos, Eduardo Pimenta de Azevedo pegava o carro do pai escondido e levava a mãe e as tias para passear.

Nasceu em Minas e se mudou com a família para São Paulo aos oito anos.

Aos nove, já ajudava o pai com o trabalho em uma empresa de ônibus. Mexia no almoxarifado organizando o estoque de peças de ônibus.

O casamento foi aos 17.

– Meu pai dizia que filho dele só sairia de casa casando.

Casou, mas não conseguiu sair de casa. Muito novo, não arranjava emprego.

Pouco depois, aos 20 anos, veio com a esposa ribeirão-pretana morar na cidade e começou o negócio de desmanchar carros.

Alugou um ponto pequeno nos Campos Elíseos, para o trabalho que quase ninguém fazia.

– Eu fui um dos primeiros a desmontar carro de linha: Opala, Variante.

O primeiro acidente foi por volta de 1978 e o segundo cerca de dois anos depois.

Ele diz que a esposa sempre lhe acompanhava para todo lado. E, nesse dia, estava com ele pela rodovia com o triciclo Renha. Pimenta costumava empinar. Aparece inclusive em fotos, empinando o mesmo triciclo.

O veículo capotou e a esposa fraturou oito vértebras da coluna. Os médicos diziam que ela ficaria tetraplégica.

– Eu passei cinco anos viajando com ela. Onde diziam que tinha ‘milagre’ eu ia.

Depois de um intenso tratamento com um médico alemão, ele relata que a esposa passou a mexer os braços e a se locomover em cadeira de rodas.

– Então, depois disso, eu comecei a desafiar a vida com as aventuras.

 

As competições de demolition car foram as primeiras. As fotos com troféus confirmam o que Pimenta diz:

– Eu fui campeão muitas vezes.

O objetivo da competição era bater os carros – adaptados e desmanchados – o máximo possível. Vencia quem conseguisse, depois de muita porrada, continuar em movimento.

Pimenta perdeu as contas das vezes em que se machucou. Hoje, tem problemas de cima a baixo da coluna como resultado. Só parou depois de 12 anos, porque não havia mais competições.

Entre uma corrida e outra, foi descobrindo outros jeitos de deixar a barriga com frio.

Diz que chegou a ter uma empresa de ultraleve de 1987 a 1994. E foi para os EUA comprar peças de avião e buscar melhores tratamentos para a esposa. Em uma das idas, viajou uma semana com uma Harley Davidson. Pensavam, inclusive, em se mudar para solo americano quando o governo Collor confiscou as poupanças.

– Muita gente se matou ou mesmo teve AVC, infarto. Nós perdemos tudo.

Continuou, então, buscando dar sentido para as coisas pela aventura.

Fez mergulho em Ilha do Mel, Paraty, Ilha Bela e viu a cidade Guapé, inundada pelo lago de Furnas, embaixo d´água.

Conta que chegou a ir de ultraleve para a Serra da Canastra. Pousou lá em cima e montou acampamento. E afirma que, das capitais brasileiras, só não conhece São Luiz do Maranhão.

Se machucou algumas vezes, sofreu acidentes, mas não via motivo para parar.

– Medo eu não tenho de nada. Nunca tive. Eu tinha que sentir a emoção. Sempre queria fazer mais e mais.

O desmanche de carros ia de vento em popa. Comprou não só o primeiro ponto, mas quase um quarteirão todo. Relata que chegou a ter 30 funcionários e, quando as leis ficaram mais rigorosas, por volta de 1996, passou a atuar como autopeças.

A especialidade continua os carros antigos, da época que marcou a vida.

A esposa faleceu por volta de 2000, por complicações do acidente.

– Tudo isso foi uma parte muito triste na minha vida…

Pimenta autopeças Campos Elíseos Ribeirão Preto

Pimenta diz que ainda hoje não descobriu o que é sentir medo.

Depois que a filha nasceu, 15 anos atrás, porém, decidiu que era tempo de parar.

A jovem é fruto do seu segundo casamento. E é quem lhe faz, por exemplo, desistir de vender a mistura de TL 71 com Variante que montou lá na década de 80, quando começou a trabalhar. Diz que chegaram a pedir R$ 40 mil pela sua “Varinete”, mistura de Variante com caminhonete.

– Minha menina não deixou vender. Dei para ela, então.

Pimenta autopeças Campos Elíseos Ribeirão Preto

Há 15 anos sem sentir a adrenalina de outrora, é impossível não sentir saudade.

– É preciso estar em movimento. Inércia não pode.

E vai encontrando atalhos: está sempre na Serra da Canastra ou com o pé em qualquer outra estrada. Viajar é a liberdade de hoje.

– Minha filha foi o breque. Se não fosse ela, estaria na ativa até hoje. Mas sinto que fiz o que tinha que fazer.

Conta que conheceu Chico Xavier pessoalmente e buscou o alento dele depois dos acidentes. Replica também uma história que ouviu alguém contar sobre Jesus.

– Dizem que, na verdade, ele não morreu. Saiu da cruz, mudou o cabelo e foi viver a vida dele. Porque ele já tinha cumprido sua parte com Deus. Vai ver eu já cumpri minha parte. Lógico que não se compara com a dele!

Todos os dias, Pimenta abre a oficina, parte do bairro, por volta das 8h. Fecha às 12h para o almoço. Reabre às 13h30 e encerra de novo às 18h, para recomeçar no outro dia.

A rotina chegou. Depois dos 50, mas chegou.

Fala sobre ver os netos nascer. Acalmar o coração.

– A vida? Ah, é como o Chico Xavier falou: a gente vem resgatar alguma coisa. É como um acerto de contas.

Quando a saudade da adrenalina aperta, recorre as centenas de fotografias nos álbuns. Posta algumas no Instagram. Hoje, no entanto, quer mais ficar do que partir.

 

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2 Comentários

  1. Carlos

    Parabéns eu não sabia que ele tinha feito toda está proeza ??????????????

    • Pedro Luiz Garcia

      Que história de vida impressionante! É bem assim, viver a cada dia como se fosse o último! Grande Pimenta! Abração

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