Professora Elídia quer que aluno seja autor da própria história

22 novembro 2019 | Gente que ensina, Histórias do Proac 2019/2020

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A aula de Elídia não é feita de silêncio. Bem o contrário. Para a professora, educação é movimento.

– A escola é isso: barulho, vida. Eu fico triste quando ouço um professor dizendo: ‘Demorei para colocar os alunos na linha’. Passo e vejo os alunos sentados, quietinhos.

Ela é barulhenta, sem medo de comprar a briga.

– Nós brigamos, mas pelo aluno. Democracia, né? Se há liberdade para você opinar, discutir, vai acontecer isso.

A instituição onde trabalha há sete anos – Escola Municipal Professor Salvador Maturano, no Jardim Morumbi, zona Oeste de Ribeirão Preto – tem ar condicionado em todas as salas de aula. Resultado de muita insistência da equipe docente.

As paredes da instituição são coloridas por obras de arte feitas pelos alunos. Os professores desenvolvem projetos multidisciplinares. Desde o ano passado, por exemplo, trabalham as questões étnico raciais. No dia da entrevista, Elídia estava auxiliando a turma a pintar um autorretrato, misturando tintas para respeitar a cor da pele de cada um.

– Esse é um grande projeto da nossa escola: a valorização do menino negro, do menino pobre. Temos uma grande população de alunos negros.

História. Ela repete a palavra ao menos cinco vezes durante a conversa. Acredita na história que está escrevendo e naquela que cada um de seus alunos possui.

– Eu gosto de passar isso para o aluno:  a sua história é importante; você é importante. O aluno percebe que a história não é algo alheio ao que ele é. Nós somos parte da história. Quando o aluno percebe isso, é chamado para a aula. Esse é o papel do educador.

Estudando as teorias da Análise do Discurso, ela nomeou o que já buscava fazer na prática. Quer que seus alunos tenham “autoria”.

– A minha luta é para que o aluno perceba que é possível assumir a autoria em tudo na vida dele.

E o que ela entende por “autoria”, afinal?

– É você não se anular diante do sistema todo. É você não se anular enquanto sujeito. Conseguir nas brechas ser quem você é. Ser um sujeito da história, com toda a sua bagagem.  Poder falar do que você acredita, do que você gosta.

Ser aluno. Ser humano.

Professora Elídia Ribeirão Preto

Elídia de Souza Silva Rodrigues, 51 anos, nasceu em Capitólio, mas se mudou para Ribeirão Preto ainda menina. A mãe era dona de casa e o pai ia se reinventando em funções: pedreiro, sorveteiro. Não puderam estudar, mas cobravam que os filhos estudassem.

Dos seis filhos, só Elídia fez faculdade. Ela cresceu na Vila Virgínia, região da escola onde leciona hoje. A mãe foi inspiração.

– O sonho da minha mãe era ser professora. A gente partilhava desse sonho.

Estudou em escolas públicas, fez o magistério, mas não atuou na área de início. Aos 23 anos, teve uma filha, com o companheiro com quem é casada ainda hoje. Até os 33 anos, trabalhou em administração, teve empregos fora da educação. Deixou a ideia de ser professora de lado, temporariamente.

Em 2001, decidiu tentar um concurso para a EJA (Educação de Jovens e Adultos) em Serrana. Passou e também foi aprovada para trabalhar no Sesi. Decidiu ir além, entretanto.

Uma amiga incentivou. Comprou o manual do estudante e Elídia foi aprovada em Pedagogia na USP Ribeirão Preto, iniciando o curso em 2002, aos 34 anos.

Passou a trabalhar no Sesi e a cursar a faculdade. A família ajudou nos cuidados com a filha, que estava com 11 anos, para que ela conseguisse dar conta da rotina.

Quando se formou, já havia passado no concurso do Estado, que deixou em 2009 quando foi aprovada como professora no concurso da Prefeitura de Ribeirão Preto.

Desde então, Elídia somou centenas de aulas e chegou a atuar dois anos dentro da Secretaria Municipal de Educação (2013/2014).

– Ainda acho que a sala de aula é o melhor lugar para se estar. É na sala que tudo acontece. Por perceber o quanto meu papel é importante na história de cada aluno. O papel de não conduzir nada, mas de dar possibilidades, pôr sonhos na cabeça desses meninos.

Em sala, deixa a criatividade florescer. Seus alunos são instigados a criar: bonecas de meia, foguete de pressão, textos, poemas, Olimpíada de Astronomia, experimentos para entender Ciências. A aula não vem “pronta e acabada”, como diz.

– Ser professor é mostrar para o aluno as possiblidades, que ele é grande, capaz, um agente de toda essa história. É elaborar aulas, planejar, trazer produções textuais em que ele se coloque. Encher esse arquivo dele.

 

Tanta luta e movimento cansam, porém. Professor é gente: quem se lembra?

– É uma profissão extremamente solitária. Por mais que o outro esteja junto, é sofrida e solitária.

Elídia não consegue chegar em casa e esquecer o aluno que não aprende, a família que não acolhe, a aluna de oito anos que ninguém foi buscar, a vizinha encontrou chorando na rua e levou para a escola às oito da noite.

– A rotina do professor é lidar com questões que não são só preparar a aula e trazer. A gente se envolve com a vida de cada aluno.

No começo do ano, percebeu que nenhum aluno da sala de 25 usava óculos. Estranhou e fez o alerta: “Precisa ir no oftalmologista”. Um a um, alunos começaram a aparecer de óculos. A ausência dos óculos, quando necessário, é um dos fatores que atrapalha o aprendizado, a professora diz.

– Isso tudo vai nos custando. Custa muito.

A falta de professores é outra questão custosa. Para não deixar uma sala sem aulas, professores assumem além do que podem.

– É uma obrigação moral, né? A falta de professores é o que mais nos dói. Mexe com a rotina da escola toda.

Por tanto, por tudo, Elídia tomou uma decisão para o próximo ano. Pela primeira vez em quase 20 anos de docência vai reduzir o número de aulas. É uma forma de amenizar a insônia, o cansaço mental, a falta de energia.

– Eu nunca me afastei. Esse é o meu afastamento de agora. Eu preciso, para continuar dando o meu melhor.

Pensa também em voltar a atuar com a EJA e a reservar mais tempo para os estudos. Além da leitura diária que faz com os alunos, gosta muito de se nutrir lendo.

Não é uma retirada, ela garante. A sala de aula é o lugar que escolheu para fazer sua história.

– A minha história é de quem está no lugar que gostaria de estar.

Procura não ser pessimista em relação a atual situação da educação no Brasil. O momento é difícil, mas vai em busca de espaços.

– Nunca se falou tanto sobre educação e não se pode perder a oportunidade de falar. Talvez recue, acho que sim. Mas tem que achar brechas para não perder o que conquistou.

É preciso continuar.

– O professor tem que assumir o papel dele e não permitir que todo mundo dê palpite na educação. Nós estudamos para isso.

Se sente realizada, mas está sempre a (re)avaliar.

– Eu vou embora pensando hoje como foi e o que preciso para amanhã.

Como quem estuda Análise do Discurso, deixa o fim sempre aberto. A vida, afinal, é barulho, movimento, tal qual a educação na qual acredita.

 

*Quer traduzir essa história em libras? Acesse o site VLibras, que faz esse serviço gratuitamente: https://vlibras.gov.br/

 

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2 Comentários

  1. Adriana Quatrini

    Parabéns pelo belíssimo trabalho!!!

  2. Luanna

    Minha querida amiga e colega de trabalho! Quanta beleza em sua trajetória! Quanta coisa aprendi contigo! Eu e minha filha, pra quem deu aulas no 2° ano, em 2018. Obrigada!

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