Robertinho preparou o próprio túmulo, com foto e placa, no Cemitério da Saudade

25 fevereiro 2019 | Gente que inspira

Quadra dois, túmulo 291. Fotografia colorida, ao lado da mesa de som que operou por 36 anos. “Ueh, mas você não é o homem da foto?”, o senhor que limpa os jazigos saiu apavorado, pensando que Robertinho era espírito. Sem falar dos colegas que, passando por ali, questionam: “Mas o Robertinho já foi? Eu nem fiquei sabendo!”.

Luiz Roberto se diverte com a surpresa que causa. Está vivinho da Silva, como eu pude presenciar. Mas, há cerca de dois anos, escolheu a morada eterna para o seu corpo, quando não estiver mais por aqui.

No túmulo da família, ao lado da foto da mãe, colocou sua fotografia, plaquinha com seu nome e apelido, “Robertinho som”, data de nascimento e a frase: “E a vida continua…”.

– Estamos presos nesse planeta porque fizemos alguma coisa de errado. Mas você não morre. Perde o corpo e o espírito continua. Ele se liberta.

Decidiu, então, escolher o melhor lugar para repousar a matéria embasado pela “única certeza que a gente tem nessa vida”.

– Uns falam que eu sou louco e eu respondo: você acha que você vai viver para sempre? Não vai. Você vai morrer. Eu tô errado de botar a placa lá na minha última morada? Sou realista. Já me conformei com a morte!

Errado eu não sei. Mas que causa surpresa, não há dúvidas.

Conta que quando fez a encomenda da placa, com a foto, a atendente arregalou o olho: “Mas é você? Já vai pôr no túmulo?”. Ao que ele, de cara, respondeu: “Já fica pronto! É só enterrar!”. Diz também que já escolheu a urna funerária.

Sua história já saiu na imprensa de Ribeirão e rodou de boca em boca por aí.

– Quando eu morrer, não quero vela nem flor. Quero doces. Porque a vida continua!

Robertinho som preparou o próprio túmulo

Antes mesmo de partir, Luiz Roberto Rossi de Lucca, 60 anos, já fez do cemitério um dos lugares preferidos. Quase toda semana está por ali, visitando o próprio túmulo, levando balas em jazigos de crianças, caminhando pelas travessas.

– Melhor coisa para acabar com o stress é vir aqui. Você pede para os espíritos guardiões segurarem os espíritos da depressão e, quando vai embora, esses espíritos ruins ficam presos.

Tem crenças bem particulares, que surpreendem até mais do que o túmulo pronto.

– Nós temos dois espíritos no corpo. Um é nosso mesmo e o outro é o anjo da guarda. Porque a gente não cai da cama a noite? Porque ele cuida!

Diz que, vez em quando, escuta os espíritos e até fez um pacto gastronômico com eles.

– Eu como o que eles estão com vontade. Outro dia, um velho ficava falando no meu ouvido: ‘Quero dobradinha, quero dobradinha’. Eu fui lá e comi para ele! Nem gosto de dobradinha…

No celular, baixou um aplicativo que garante sinalizar a presença de seres do outro mundo. Ele tira do bolso e começa a mostrar, empolgado, o radar apitando:

– Oh, tá vendo?

A gente fica sem saber se ele acredita em tudo o que diz ou só fala para dar mais suspense à história toda.

Robertinho som preparou o próprio túmulo

A ideia de aprontar o próprio jazigo surgiu cerca de dois anos atrás, quando enfrentou problemas de saúde. Teve um câncer na perna e enfarto, além da diabetes e pressão alta. Conta que tem quatro stents no coração.

– Eu achei que eles iam me levar!

Conversando com a esposa, disse que queria foto colorida e algumas exigências para sua “última morada”.

– Ela respondeu: ‘Você que se vire!’. E eu resolvi me virar.

Deixou tudo pronto e a hora não chegou. Acredita, então, que, de alguma forma, despistou a morte.

– Eu acho que, de vez em quando, ela passa por aí, vê minha foto e pensa: ‘Nem preciso ir buscar… ele já está aqui…’. E eu continuo no mundo!

Enquanto espera, vai vivendo a aposentadoria.

Trabalhou por 36 anos em uma emissora de TV de Ribeirão Preto como sonoplasta. Diz que foi o único emprego que teve na vida. Apaixonado pelo que fazia, sente falta de estar na ativa. A rotina não anda lá muito animada… televisão em casa, passeios ao supermercado e caminhadas no cemitério.

– Eu era feliz quando tinha tudo de bom… tem que ter saúde, dinheiro e fazer o que gosta para ser feliz. Se faltar uma dessas coisas, você já não é feliz.

Quando a deprê faz morada, porém, ele corre para seu reduto, o Cemitério da Saudade.

– Quando vem o baixo astral é porque estão fazendo sua matemática para você ir embora. A morte é uma matemática.

Garante, porém, que não tem medo de morrer. Tem medo da forma de se morrer, que a gente nunca sabe qual será. E reza para ser livrado de incêndio e soterramento.

Os dois filhos não entendem muito essa dinâmica.

– Mas tem que aceitar. Eu falo para eles: ‘Nós nascemos para morrer. Tem que aceitar a morte!’.

Robertinho som preparou o próprio túmulo

Enquanto a hora não chega, vai fazendo planos para melhorar sua “morada eterna”. Ouviu falar que estão começando a colocar QR Code nas lápides. O visitante aponta e, no celular, pode ter acesso a uma mensagem deixada pelo sepultado.

– Eu vou falar que sou Robertinho, mostrar minha casa, minha cachorra, minha esposa, dizer que gosto de passear, onde vou…

E sabe qual será um dos lugares preferidos?

– O melhor lugar para se andar é no Cemitério da Saudade! Tem gatos, macaquinhos… olha a paz que é aqui!

O grande sentido de tudo isso, ele conta qual é. Não quer passar por essa terra sem deixar um legado, uma história.

– A lápide é para deixar lembrança. Ninguém vai ver meu corpo, mas vai ver minha foto, como eu era, como minha mesa de som era.

Robertinho olha para ele mesmo, ali na foto do túmulo. Posa, em vida, ao lado do seu legado. Mais uma história que deixará quando chegar a hora de partir.

 

 

Assine História do Dia por R$ 13 ao mês ou faça uma doação de qualquer valor AQUI!

Nos ajude a continuar contando histórias!

Compartilhe esta história

2 Comentários

  1. Adriana Aparecida Grepe

    Nisso eu ainda não tinha pensado em fazer….tambem não tenho condições e não vou fazer dívidas, mas amo velório, amo cemitério, se tiver uma festa e um velório pra escolher adivinha qual eu vou????
    O pior que dou.muito chorona, emotiva, não preciso nem conhecer o defunto, abro o bué que parece até que conheço há anos.
    Também já fiz algumas exigências pra minha família, quero que durante o meu velório fique tocando repetidamente a música “AveMaria” seja com o Agnaldo Rayol ou Chitãozinho e Xororó( sertanejo e bem melhor né?)
    Minha vontade também seria ser cremada, mas é um tanto quanto caro , então vai ser mesmo la no cemitério de Bento Quirino/Sao Simão( minha terrinha querida)

  2. Luiz Roberto Rossi De Lucca

    Só passei aqui hoje dia 04/12/2021 para dizer que ainda estou vivo nesse planeta cheio de coisas boas e ruins , mas se tem coisas boas vamos atrás delas e deixar as ruins bem longe . Robertinho

Outras histórias