‘Samba da Opinião’ fortalece música autoral e de raiz

2 dezembro 2019 | Histórias do Proac 2019/2020

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Vale a pena ler de novo! História publicada pela primeira vez em 6 de maio de 2019! 

 

O Theatro Pedro II é cenário ao fundo. O relógio da praça XV, ponto de encontro. Por ali, o samba tradicional do Bexiga ganha letra adaptada. “Quem nunca viu o samba amanhecer, vai no relógio pra ver, vai no relógio pra ver”, cantam os sambistas em roda, que está sempre aberta a mais um integrante.

Quem chega, vai logo se aconchegando em volta. As pernas dificilmente conseguem ficar paradas. Entram no ritmo sem esforço. Qualquer timidez perde espaço. É batucada que contagia: “O samba por si já é luta/ É uma questão de conduta/ É uma questão de proceder/ Chegou a opinião do samba”, em canção própria (composição de Mano Régis e Marcelinho Barbosa).

O Samba da Opinião nasceu para valorizar as composições autorais dos sambistas de Ribeirão Preto, levar as questões sociais para o foco e fortalecer o samba raiz. Se nomeiam como coletivo: tudo é compartilhado e decidido entre muitas vozes.

– Sozinho a gente não consegue nada. Aqui, todo mundo tem voz.

Quem diz é Agrício Costa, um dos fundadores.

Na praça, lugar que escolheram para se reunir semana sim e outra não, levam a cultura brasileira a quem quiser ouvir, sem cobrar ingressos e driblando a falta de apoio e estrutura.

Em um ano e oito meses de existência, já somam acordes e se mostram fortalecidos em meio a uma Ribeirão Preto que precisa cuidar de sua cultura.

Na comemoração de 12 meses do projeto, imprimiram uma revista com 16 sambas autorais, que distribuem para que as pessoas possam conhecer e cantar as músicas. Um primeiro passo no registro do que compõem.

– O que torna um compositor anônimo é não registrar e não gravar.

Começaram, recentemente, a gravar o primeiro álbum, com previsão de lançamento em setembro, quando celebram os dois anos de união.

– As músicas autorais mostram quem nós somos e o que nós queremos dizer para o mundo como sambistas.

Samba com opinião é ritmo com engajamento. Valorização da raiz. Manutenção da cultura. Tudo isso se espalhando pela cidade. Tudo isso reunido ali, embaixo do relógio, às 20h das quintas-feiras, para quem quiser ouvir. Você já viu o samba acontecer?

Não há outro lugar para ser. A entrevista é feita na mesa de um buteco do Centro de Ribeirão. Agrício, Mano Regis e Thiago, três integrantes do projeto, são os porta-vozes. Uma cervejinha embala nossa conversa, que termina com gosto de quero – bem – mais.

– O samba é um estilo de vida. Viver o samba é além do ser músico. Tem uma conduta, um modo de se relacionar.

É Agrício quem diz. Ele e Mano Regis foram os fundadores do Samba da Opinião, que surgiu como concretização de muitas vontades.

– Muito se falava sobre isso, mas ninguém fazia. Ficava naquilo do “tem que fazer’. Ninguém se reunia para cantar as próprias obras.

Agrício conta que a inspiração veio de outros coletivos que fazem samba com união no Rio de Janeiro, Jundiaí, Sorocaba. Ribeirão também tem muito o que dizer. Era hora de começar.

Bastou a primeira tocada, em setembro de 2017, para que o grupo decidisse continuar. Uniram músicos que trabalham com projetos diversos, mas com o mesmo intuito de, juntos, valorizarem o autoral.

Como um coletivo, cada integrante tem sua rotina em paralelo, toca em outros grupos, trabalha em outras funções. O compromisso é de reservar os dias de Samba da Opinião na agenda, participar, se engajar na ideia.

Mano Regis conta que o nome nasceu inspirado na luta contra a ditadura. Em 1964, logo após o golpe militar, estreou o “Show Opinião”, dirigido por Augusto Boal, produzido pelo Teatro de Arena e por integrantes do Centro Popular de Cultura da UNE (União Nacional dos Estudantes). Música de protesto: como são chamadas ainda hoje as composições de resistência.

 – Com a indústria do mercado, muito da essência do samba se perdeu. Vieram ideias muitas vezes discriminatórias. O que era a luta do oprimido, virou a arma do opressor.

Ideias que estão nas letras que compõem: “Por motivo de força maior/ O patrão não vai mais me explorar/ Vou sonhar e agir o meu sonho/ A quem não age o sonho só resta sonhar” (composição de Mano Regis e Agrício Costa).

Tudo o que o coletivo ganha tocando em eventos e bares é colocado em uma caixinha, com o objetivo de manter o projeto, fazê-lo crescer e gravar as canções que compõem o caderno. São 10 integrantes do “núcleo duro”, como eles denominam os músicos que participam de todas as reuniões, além de, pelo menos, mais 10 “esporádicos”, na palavra de Mano Regis.

– A gente sempre pode contar com parceiros de outros grupos.

Todos celebram – e acolhem – o bom samba!

– É só chegar com respeito, que todo mundo é bem-vindo. Pode sentar, tocar um samba com a gente.

Agrício faz o convite. Respeito, resistência, união: samba com raízes firmes e acordes bem escolhidos, como Agrício diz:

– O samba é um braço da cultura de raiz africana. Ele tem endereço e CEP. Não escolhemos nossas músicas por uma questão de valor: o que é melhor ou pior. Escolhemos a partir do que faz sentido para a gente. E, então, letras com teor machista, racista, preconceituosas não fazem sentindo.

Samba da opinião Ribeirão Preto

Agrício, 28 anos, ganhou seu primeiro cavaquinho aos oito e dividiu infância e adolescência entre duas paixões: a bola e a música. Crescendo na periferia de Ribeirão Preto, zona Norte, pôde desenvolver seus acordes em projetos sociais desenvolvidos por músicos como Deva Mille e Márcio Coelho. Aos 20 anos, foi para o conservatório de Tatuí, se especializar em violão.

Mano Regis, 30, tem a música como herança. O pai nordestino era dono de bar onde sempre tinha uma roda de samba.

– Não podia parar que eu pegava o pandeiro.

Ganhou o seu primeiro instrumento aos nove anos. Na adolescência, se encantou pelo RAP e começou a escrever suas próprias letras aos 12. Se formou em teatro, em uma universidade de Sorocaba. O que o samba representa?

– Para mim é inato. Por que o passarinho canta? Não consigo viver longe. Tem a ver com ancestralidade, referências, prazer pessoal. Eu me elevo quando tô na roda de samba.

Thiago Peres, 33, começou na música aos 13 anos, com o pagode. Depois conheceu o samba e se apaixonou por Bezerra da Silva. Se formou em Marketing e nunca deixou de cantar. Compõe suas próprias canções e sonha com o dia em que elas serão cantadas em coro.

Três histórias entre as tantas que o Samba da Opinião guarda. Três vozes, entre a multiplicidade que o coletivo atrai. Cada um que integra a roda, traz um samba diferente.

– É uma roda democrática.

Mano diz. E a luta é para que continue sendo, cada vez mais.

Poucas mulheres integram a roda rotineiramente.

– O samba tem uma dívida histórica com as mulheres. Principalmente as mães pretas de terreiro, que acolheram o samba nas casas de candomblé quando era proibido. Nós sabemos que é uma construção histórica, que afasta as mulheres da roda. Mas queremos que isso seja desconstruído.

Mãe Neide, do Centro Cultural Orùnmilá, é inspiração e força para o projeto. Ela, que é luta e resistência pela cultura negra, faz questão de estar presente nas rodas e abre as portas do seu espaço para o samba. (Conheça a história dela AQUI)

Samba da Opinião quer ser espaço de polifonia, cores, formas, vozes.

O primeiro grande objetivo era conseguir reunir o grupo: está feito. Depois, veio o caderno das canções. Agora, está vindo o álbum. Tudo atrelado a um único grande propósito:

– Queremos dar continuidade para o que já está acontecendo. O samba é resistência.

Nas palavras de Agrício, que se reverberam para o coletivo todo.

Chegou a opinião do samba!

“Fora quem de fora nos assola/ Que golpeia os sonhos desse povo a clamar/ Eu cantei uma nação/Pois eu seu que aqui é meu lugar” (composição de Agrício Costa, Gui Silveiras e Denis Costa Denão).

 

Fotos: divulgação Samba da Opinião

 

*Quer traduzir essa história em libras? Acesse o site VLibras, que faz esse serviço gratuitamente: https://vlibras.gov.br/

 

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