Texto: Daniela Penha – Fotos: Sheila Brandão – Ilustração: Cordeiro de Sá- Produção: Vandreza Freiria
Quem passa pelo Albergue Noturno Octávio de Oliveira Campos, em Sertãozinho, tem dificuldade em escolher um prato preferido.
– Tudo é bom! O feijão, o arroz, a salada. A comida da Lu é boa, muito boa!
Conta um dos abrigados com mais tempo de convívio.
Tem uma receita, porém, que quando Lucinete faz, ninguém come uma única vez!
– Todo mundo repete!
Pudera! O doce de abóbora com casca de laranja, folhas de figo e coco é receita de família. Quando ela tinha 10 anos, um primo lá de Minas fez a delícia, que se tornou tradição na mesa. Ali, cozinhando para pessoas que não têm onde morar, ela leva suas melhores receitas, seus temperos mais elaborados.
– É uma população carente de afeto. O que a gente pode fazer por eles, a gente faz. Enquanto muitos jogam fora, eles agradecem pelo alimento que estão comendo.
Seu João*, 55 anos, que elogiou a comida da Lu lá em cima, acredita que está há mais de quatro anos nas ruas. No abrigo, está sua única cama.
– Ajuda demais. Eu ainda vou ter meu barraquinho. Mas não vou deixar de vir aqui visitar. É uma família que a gente tem.
Ele luta contra a dependência química enquanto tenta retomar a vida. Foi casado, teve filhos, mas a vida foi tomando rumos diferentes do que planejou.
– Sempre paguei aluguel. Nunca consegui comprar uma casa. É difícil, mas vai melhorar.
Trabalhou em transportadoras, como servente de pedreiro, em limpeza, muitos bicos. Conta que, mais de quatro anos atrás, sofreu um acidente de trabalho, bateu a cabeça e ficou sem condições de continuar. As coisas se complicaram ainda mais com a dependência química.
Desde então, está nas ruas. Durante o dia, recebe acolhimento no Centro POP, instituição da prefeitura de Sertãozinho. À noite, procura abrigo no albergue. Muitas vezes, porém, acaba dormindo na rua.
– Todo dia é uma luta!
Lucinete já conhece a história de seu João. E outras muitas que passam por ali. O carinho que coloca na comida é um dos laços que tece com os acolhidos.
– Digo que eles são meus filhos. Tenho um monte de filhos. Aqui, eles contam suas histórias, compartilham, choram.
Doações essenciais
Fundado em 1967, o Albergue Noturno Octávio de Oliveira Campos acolhe 25 pessoas, de domingo a domingo. Antes, eram 30 acolhidos. Pela pandemia, porém, tiveram que reduzir o número, seguindo as recomendações de segurança.
A manutenção do espaço é feita por meio de recursos públicos, eventos como a festa da Pizza, tradição na cidade, e também por doações.
Por mês, são necessários 420 quilos de alimentos para oferecer refeições aos 25 abrigados e mais 10 que são acolhidos diariamente para o jantar e depois partem.
Na pandemia, a arrecadação caiu, com o cancelamento das festas e a queda nas doações. Cada apoio, então, é fundamental.
O Mesa Brasil é um dos parceiros. Com doações de alimentos, ajuda a manter as atividades funcionando. O albergue está cadastrado no programa desde junho de 2017. Só durante a pandemia, entre abril de 2020 e julho de 2021, recebeu 54 doações, totalizando 3,2 toneladas de alimentos.
Os acolhidos chegam no final da tarde, tomam banho, comem o jantar e, antes de irem embora, o café da manhã.
Trajetória de desafios
Lucinete de Lima de Oliveira, 43, é cozinheira no albergue há cinco anos. Até chegar ali também trilhou caminho de desafios. Nasceu em Boa Esperança do Sul, próximo à Araraquara grande parte da vida. Por lá, trabalhou no campo colhendo laranjas, algodão, amendoim, cortando cana. Começou ainda adolescente. Trabalho rural se inicia na madrugada e termina quando o sol já se foi.
– Se eu precisar voltar para lá, eu não volto para a safra. É muito sofrido.
Chegou a Ribeirão seis anos atrás. A família é formada pelo marido e os três filhos.
– Nós viemos em busca de uma vida melhor. Nenhuma das minhas filhas foi para a roça. Nossa felicidade é isso.
Logo que chegou, começou a trabalhar no albergue. Nunca havia cozinhado profissionalmente, mas em casa e na vizinhança o tempero só rendia elogios.
O cardápio no albergue é sempre variado. Arroz, feijão, macarrão, legumes, saladas, carnes, uma sobremesa. Para o café, a mesa é farta de bolos, bolachas, leite.
– Tudo o que a gente faz vai que nem água!
São cerca de 60, 70 pratos por dia, porque todos os 25 acolhidos e os 10 que fazem a refeição costumam repetir, às vezes três ou quatro vezes.
A cada três meses, celebram os aniversários com bolo, cachorro-quente. Nas datas comemorativas, como o Natal, fazem uma ceia.
– A gente procura fazer o que eles gostam, com amor e carinho.
Sem desperdício
Desde que iniciou a parceria com o Mesa, Lucinete conta que tem realizado cursos gastronômicos no Sesc Ribeirão Preto. Aprendeu a reaproveitar os alimentos e levou os conhecimentos para o albergue e para sua casa também.
– Eles ensinaram a não jogar nada fora. Aprendi como congelar e usar tudo do alimento.
Bolo de banana com casca, biscoito de beterraba com coco, suco com a casca do abacaxi são algumas das receitas. A criatividade é essencial para não deixar nenhum alimento doado estragar. Se recebem muitas bananas, sabe como aproveitar cada parte.
Ali, tudo é muito bem-vindo.
– Uma das coisas que marcaram… fazia quatro dias que um moço não comia. Comeu três, quatro pratos e se sentou, satisfeito. Eles agradecem pelo que recebem.
A troca é diária: ela faz com afeto e recebe gratidão.
– O segredo é o carinho. Não adianta fazer por fazer. Se você faz com amor, mesmo que seja uma comida simples, vai agradar e ganhar elogios.
Tem dado certo.
– O acolhimento aqui é melhor do que na minha casa.
Quem fala é José*, 32 anos. Está na rua há cerca de dois anos. Conta que trabalha como servente de pedreiro e, com a pandemia, os serviços caíram. Não deu para pagar o aluguel e a única saída foi a rua. Hoje, pega recicláveis durante o dia e, à tardinha, busca acolhimento no albergue. Está guardando dinheiro para voltar a ter seu próprio lar. Enquanto isso, agradece.
– Quando eu venho para cá, como muito. Porque às vezes a gente acaba ficando o dia todo sem comer. O melhor é ter comida e cama. Na rua não tem como dormir… só cochilar, porque o medo é grande…
Mais uma das histórias que Lucinete coleciona em suas panelas.
Encontra, todo dia, motivos para temperar cada prato com todo seu carinho. Entre receitas, entrega amor e faz a cama passageira ter gostinho de lar.
*Os nomes utilizados nesta história são fictícios para preservar os acolhidos.
Conheça mais sobre o Mesa Brasil
Que tal criarmos uma ponte entre quem precisa de ajuda para matar a fome e quem pode e quer fazer o bem? Uma ponte que consiga unir essas duas pontas, fazendo com que os alimentos que sobram para um cheguem à mesa do outro?
É isso que faz o programa Mesa Brasil, criado pelo SESC SP há 27 anos e presente em todo o país.
Caminhões coletam diariamente doações de alimentos com empresas, supermercados, cerealistas, produtores, entre outros fornecedores e entregam para instituições sociais e hospitais. Só em São Paulo são 30 caminhões circulando todos os dias para atender 63 cidades paulistas.
Realizando a coleta e a entrega dos produtos, o Sesc São Paulo facilita o caminho para quem quer doar e garante que toneladas de alimentos que seriam desperdiçados cheguem à mesa de quem precisa: uma rede de combate à fome!
Em tempos de pandemia, o programa se tornou ainda mais fundamental. Só em 2020 foram distribuídos mais de 7.200.000 kg de alimentos, além de 470.000 kg de produtos de higiene e limpeza para 1.150 instituições sociais e 120.000 famílias. Em 2021, já são 2.425.809 kg de alimentos arrecadados.
Em Ribeirão Preto, o programa existe desde 2014. Dois caminhões passam pelas empresas doadoras pela manhã, para coletar os alimentos doados, e, no período da tarde, levam o que foi coletado para as instituições sociais. Em 2020, o programa coletou 220 toneladas de alimentos e materiais de limpeza e higiene. Atualmente, está com 87 instituições sociais cadastradas e mais de 3000 famílias atendidas.
O Mesa Brasil do SESC Ribeirão atende, além de Ribeirão, as cidades de Serrana, Sertãozinho, Santa Rosa do Viterbo, Guariba, Jaboticabal, Franca e Barretos. De janeiro até agosto de 2021 já coletou 132 toneladas de alimentos. E os números não param de crescer – ainda bem!
O projeto “Gente que Alimenta” conta as histórias de quem faz esse programa do bem acontecer: doadores e instituições que precisam de apoio para continuarem suas atividades.
Quer saber mais sobre o Mesa Brasil? Quer se tornar um doador? Acesse o SITE AQUI e se encante ainda mais com esse bonito programa!
Adorei conhecer essa história. Gratificante essa acolhida com amor, as pessoas sentem esse carinho, o trabalho fica leve e todos saem ganhando. Vou entrar no site tbm.
Que lindo trabalho! Que esse espírito de coletividade e compaixão siga ampliando, para que cada vez mais pessoas consigam contribuir.
Conheço a Lu uma pessoa que transborda amor wlr alegria em tudo que faz.
Que Deus continue abençoando esse acolhimento.