Sonho realizado: Depois dos 60, Jacinta publicou livro guardado por mais de 30 anos

28 janeiro 2020 | Histórias do Proac 2019/2020

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Os escritos ficaram esperando por mais de 30 anos. Dá para acreditar? Jacinta diz que, se as gavetas falassem, poderiam contar a história em cada detalhe, tamanho o tempo que a guardaram.

Boa história é como vinho, quanto mais tempo melhor? Quem há de saber! Fato é que essa escritora, que trabalhou a vida todo como professora e diretora de escola, esperou três décadas para realizar o sonho de publicar seu livro.

A espera só amadureceu a vontade. Há três anos, desde o esperado nascimento da obra “Os amantes da Gerais”, Maria Jacinta de Resende Borges preenche seus dias divulgando, vendendo, espalhando sua literatura por aí.

Jacinta livro os amantes das gerais

No ano passado, recebeu um prêmio no Festival do Idoso Protagonista. Talvez a maior de suas histórias esteja aí. Depois dos 60, já aposentada, ela coloriu a vida com novos tons. Quando muita gente pensa em colocar as chuteiras para descansar, apertou as suas nos pés e saiu a conquistar caminhos.

Sozinha, pesquisando na internet, descobriu como fazer para lançar um livro – e para divulgá-lo. Com a obra pronta, criou uma página no Facebook, que hoje soma mais de 18 mil seguidores. Já vendeu livros até para Portugal e EUA. Sua técnica de abordagem? Manda mensagem para cada seguidor novo da página, cada um que curte suas postagens e convida a conhecer a história das Gerais.

A maioria não responde, ela diz. Mas há aqueles que se interessam. De leitor em leitor, ela esgotou os mil exemplares da primeira edição do livro e já está na segunda. Pela obra, foi convidada a ocupar cadeira na Academia de Letras de Sertãozinho, cidade onde vive.

Sem nunca na vida ter feito um trabalho com design, descobriu um aplicativo e hoje, aos 68 anos, cria as artes e pôsteres que usa na divulgação. Com toda essa conectividade, mais recentemente foi convidada para mediar um clube do livro virtual para pessoas com mais de 60 anos. Aceitou o desafio, cheia de animação.

– A vida corre, né? Mas a gente não está esperando a cortina fechar. Está fazendo de tudo para que ela se mantenha aberta o maior tempo possível.

Jacinta livro os amantes das gerais

Na história que Jacinta escreveu moram suas lembranças de infância. Costurou o romance retalho por retalho, mergulhando nos causos e casos que sua mãe lhe contava, lá em Minas Gerais, terra onde nasceu e cresceu.

– Minha mãe é como uma coautora. Ela me contava e eu adorava ouvir. Escrever o livro foi como reviver tudo.

O cenário para o roteiro é a cidade de Perdizes da meninice de Jacinta, época em que as pessoas se reuniam para conversar – e só.

– Não tinha televisão, internet. A gente sentava para escutar histórias. E os adultos contavam causos de todos os naipes: assombração, romance, engraçados. Isso ia envolvendo a mente da gente. Ficávamos enriquecidos de tantas coisas que ouvíamos falar.

Ela escolheu, entre tantas histórias, uma de amor. Um casal impedido de ser amar.

– Romeu e Julieta não são os amantes de Verona? Eu quis mostrar a história de um casal apaixonado que não ficou famoso, mas também viveu uma terrível história de amor. Os amantes das Gerais.

A primeira versão foi escrita à mão, em um pequeno caderninho, por volta de 1990. Depois, o marido datilografou e colocou em espiral. Para essa versão, porém, ela achou necessário crescer a história. Leu uma porção de romances para se inspirar.

– Eu não sabia como fazia um romance!

Com o livro pronto, porém, faltou tempo e verba para publicar. Naquela época, buscou se informar e esbarrou em um mercado editorial fechado, com custos altos para a publicação. A rotina, que não dava tréguas, avisou que os escritos, naquele momento, estariam destinados às gavetas.

Jacinta livro os amantes das gerais

Jacinta nasceu e cresceu em Minas Gerais. Fez o curso normal, como se chamava a formação para professoras na época. Em 1970, começou a dar aulas. Ficou quatro anos como professora em Uberaba antes de se mudar para São Paulo com o marido, que era dentista. Casaram em 1973.

Se mudaram da capital para Sertãozinho na década de 80, com os dois filhos, em busca de uma rotina mais tranquila. Nunca mais foram embora. Ela trabalhou como professora e depois assumiu vaga como diretora, em escolas do Estado.

Em busca de aprender mais, a rotina foi intensa. Perde as contas dos cursos que fez ao longo da trajetória. Cursou a pós-graduação e também uma segunda faculdade, de Direito. Até a aposentadoria chegar, então, o livro ficou adormecido.

Deixou a escola 10 anos atrás. Aquela sensação de dias vazios não existiu, garante.

– Tem gente que fica doente. Eu não fiquei nada!

Ela e o marido cantam em dois corais, frequentam o centro de convivência do idoso, fazem atividade física, são cheios de amigos.

Pouco depois da aposentadoria, ela relembrou a vontade antiga, na gaveta. Passou alguns anos pesquisando e buscando antes de conseguir lançar o livro, de maneira independente, e com verba própria.

– Eu quero estar no agito da vida, não à margem.

No trajeto, acertos e experiências! Encontrou um profissional no sul do Brasil para a diagramação, edição, prefácio. Conta que, entre os critérios de seleção, um falou mais alto.

– Eu recorri a uma pessoa mais idosa para me ajudar.

Três anos atrás, os exemplares saíram do forno, recebidos como troféu.

– É uma alegria ímpar. Para a minha vida, ele já fez sucesso por essa oportunidade de contar todas essas coisas, levar ao conhecimento das pessoas a vida que esse pessoal tinha lá em Perdizes. É uma satisfação muito grande ter seu livro escrito!

Jacinta livro os amantes das gerais

Por um tempo, dizia que não queria escrever outras obras. Seria a escritora de um livro só. Agora, já encantada com o fazer, pensa em uma opção. Não será um romance, porém.

– Outro livro para competir com esse não sei se tenho coragem. Dou tanta atenção para esse que o outro vai ficar de lado.

Vai, então, escrever um livro só de causos, com as memórias que ficaram de fora do primeiro. Com a literatura, vai mantendo a vida sempre cheia, a mente ocupada. Para inspirar a escrita, está sempre lendo.

– A literatura é uma abertura de mente incomparável. Uma pessoa que lê tem uma visão de tudo e não vê a partir do que falam para ela.

Cheia de vontade de viver, faz a cortina do palco continuar aberta.

– A vida? É esse caminhar, esse fluxo contínuo de acontecimentos. Hora tem os reveses, hora as alegrias. A gente tem que fazer o percurso, através de tudo o que aparece na vida da gente.

Depois dos 60, Jacinta escreveu um livro inteiro de novas histórias que se dispôs a viver. É sempre tempo: é o título dessa obra da vida em que ela é a protagonista.

 

*Quer traduzir essa história em libras? Acesse o site VLibras, que faz esse serviço gratuitamente: https://vlibras.gov.br/

 

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1 Comentário

  1. Lúcia Lebre

    Tenho o livro e amei a história de Théo e Matilde. Maria Jacinta é um exemplo de como podemos seguir novos caminhos diante de determinada fase da vida. Parabéns à autora, pois Os Amantes das Gerais” é fascinante!

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