Talita atende urgências na saúde e também ajuda quem precisa de comida

11 junho 2020 | Gente que cuida, Histórias do Proac 2019/2020

 

Clique no play para ouvir a história: 

 

Começou com uma família. Talita ficou sabendo da história pelo motorista da ambulância. A equipe dele fez um parto na residência e percebeu que havia muita carência. Fizeram um mutirão, levaram fraldas e roupinhas.

Depois de 31 dias, a mãe do bebê faleceu, deixando cinco filhos. Talita, então, sentiu que precisava ir além. Começou uma campanha com amigos e familiares, usou suas redes sociais e, em poucos dias, havia recebido doações de alimentos e roupas para muitas famílias.

Passou a listar quem precisa e a levar ajuda quase diariamente.

– A fome não espera. Quando bate, dói. Eu já pensei qual leite daria para minha filha no dia seguinte, porque havia acabado e eu não tinha condições de comprar. Não consigo imaginar alguém dormir sem ter o leite.

A pandemia já havia chegado ao Brasil. Ela, que é técnica de enfermagem do Samu, atua na linha de frente. Viu a rotina mudar, o medo se instalar, o trabalho ficar ainda mais intenso. Nada disso foi impeditivo. Talita de Cico, 37 anos, ajuda a salvar vidas e a matar a fome. Leva atendimento de urgência, mas, depois, também atende quem precisa de roupas e alimentos.

– Há muitas pessoas que precisam trabalhar de dia para comer à noite. E, agora, estão sem trabalho. Alguns pedem ajuda. Outros só oram.

A solidariedade se desdobra em várias formas. Antes da pandemia ela já procurava estar atenta ao outro. Sempre encontrava uma forma de ajudar uma família, destinando parte do salário para isso. Agora, intensificou o ajudar.

– As pessoas perderam empregos, estão sem trabalho e entraram em necessidade. Uma das coisas boas do meu trabalho é poder fazer algo a mais. Acolher uma mãe que vive uma dor, orientar uma mulher que sofre violência doméstica. Não precisa parar ali.

No tempo livre – que é bem pouco! – ainda criou uma lista de transmissão no Whatsapp para compartilhar orientações de saúde, formas de evitar o contágio com mais de 100 inscritos entre amigos, familiares, conhecidos, parceiros da igreja que frequenta.

– A enfermagem, para mim, vai além da parte técnica. A gente cuida de seres humanos. Se não fizermos por amor e com amor não vamos conseguir chegar na alma da pessoa, ir além do corpo, levar acalanto.

Histórias da pandemia

Talita se emociona na entrevista toda. Deixa o choro cair solto, sentido.

– Faz bem para a gente ver de onde saiu e onde está. Me sinto mais grata e com mais vontade de ajudar as pessoas.

A vontade de trabalhar na saúde surgiu ainda menina, compartilhada com a mãe, que era auxiliar de limpeza em um hospital e sonhava um dia integrar a equipe de enfermagem.

Começou o curso técnico junto com a filha, mas a vida conturbada não a deixou continuar.

– Acho que o desejo veio daí, de ouvir as coisas que ela me contava. Vem desde sempre.

O pai trabalhava como vigilante e foi preciso muito esforço para criar os seis filhos.

Por volta dos 16 anos, Talita começou a trabalhar em uma loja do Centro de Ribeirão. A vontade de ser enfermeira continuou pulsando.

Se casou aos 21, em 2004, e engravidou da primeira filha sete meses depois. O marido era porteiro e a incentivava a realizar o sonho. Quando se matriculou no curso técnico de enfermagem, em 2009, precisou se desdobrar entre a rotina de mãe e estudante, com as contas muito apertadas.

– Em alguns dias eu não tinha dinheiro nem para o ônibus. Não sabia como seria o próximo mês, se poderia continuar estudando. Tinha a mesma roupa e o mesmo sapato para o curso inteiro. Mas Deus foi abrindo caminhos.

Faltando cinco meses para terminar a formação, soube que a Prefeitura de Ribeirão Preto estava com concurso aberto e decidiu tentar.

– Nem te conto que deu certo! Passei em quarto lugar!

Se formou já contratada.

– Eu me sinto realizada. Tudo aconteceu na minha vida além do que eu pedi. Mais do que eu desejei ou imaginei que iria conquistar.  Em palavras é difícil descrever a alegria que eu sinto. É gratidão.

Começou atuando na UBS (Unidade Básica de Saúde) e diz que foi essencial para aprender sobre o acolhimento ao paciente. Depois, foi para a UBDS (Unidade Básica Distrital de Saúde), onde também atendia a urgências.

– Ali eu percebi que era disso que eu gostava. Está no meu sangue.

Surgiu, então, uma vaga para o Samu. Há cinco anos, atua no serviço de urgência e emergência, sem nunca saber como será a jornada de trabalho daquele dia.

– São muitas coisas que acontecem e ficam marcadas. Nunca saem da cabeça…

Entre os casos que mais marcaram estão os que envolvem crianças. Precisou atender um homem que havia acabado de violentar e matar uma menina.

– Eu tive que prestar o atendimento de forma humanizada, como faço para todas as outras pessoas. Recebi críticas por isso. Mas não estamos aqui para julgar. Se a gente escolheu essa profissão, temos que prestar o atendimento conforme o juramento, que é pela vida. Tive que ser muito profissional. Se deixasse o lado mãe aparecer, não seria profissional.

No atendimento a uma criança de três anos, que sofreu uma parada cardíaca e faleceu, buscou forças para consolar a mãe, oferecer um abraço.

– Eu compartilhei do sofrimento dela. Poder oferecer um acalanto foi muito importante para mim. Quando foge do que a gente pode fazer, quando está na providência divina, o que podemos é oferecer um abraço, um acolhimento.

Humana que é, também sofre. Não é só tirar o uniforme para deixar de lado as dores e alegrias da jornada de trabalho. Diz que encontra forças na sua fé – que é muita!

– Deus tem sido muito generoso comigo. Tudo é por Ele.

Histórias da pandemia

Quando os casos de coronavírus começaram a chegar em Ribeirão, Talita mudou a rotina, reforçou os cuidados durante os atendimentos e também ao chegar em casa.

Enquanto tentava acalmar o coração do medo, olhava para o lado, percebia o outro. Tornou a solidariedade – que já morava dentro de si – ainda mais presente.

– A humanidade não está perdida, não. Tem muita gente boa querendo ajudar. Poder vivenciar o amor das pessoas para quem tem necessidade é muito bonito. Mesmo ganhando pouco, com dificuldades, muitos se propuseram a doar.

Desde quando começou a pedir ajuda para a primeira família as doações não param de chegar. Faz a triagem, lista quem precisa, realiza as entregas.

– Não sei até quando vai ter doação. Quando acabar, a gente volta lá do começo, fazendo conforme nossas condições.

O coronavírus, afirma, é o maior desafio da trajetória profissional, que estava em uma nova fase. Hoje, Talita é aluna de graduação na enfermagem. Mais um sonho se realizando.

A rotina era de correria. Teve o segundo filho há três anos. Sai do Samu às 19h e, quando as aulas eram presenciais, tinha que estar na faculdade no mesmo horário, às 19h. Apesar do ritmo acelerado, tudo o que quer é a rotina antiga de volta.

– O meu maior medo é contrair o vírus e deixar minha família. As consequências são imprevisíveis. Não quero que minha história acabe no coronavírus. Quero ir além. Antes eu tinha alguns medos. Hoje, é esse.

Chega em casa pelos fundos, usa um banheiro separado dos filhos e do marido. A todos que encontra pede que o isolamento social seja cumprido, que cada um faça sua parte.

– Chega a ser uma afronta com os profissionais da saúde, que saem para trabalhar e arriscam suas vidas, que as pessoas continuem fazendo as mesmas coisas.

No futuro, quer contar mais uma história de vitória, entre as tantas que já soma.

– Eu quero contar que sobrevivi a isso e ficou tudo bem.

Segue reinventando seu fazer com solidariedade e muito amor.

 

Fotos: Jonas Fernandes

 

 

*Quer traduzir essa história em libras?
Acesse o site VLibras, que faz esse serviço sem custos:
https://vlibras.gov.br/
Compartilhe esta história

1 Comentário

  1. Magda de Araújo cezarei

    Lutadora Guerreira um anjo na vida do meu esposo

Outras histórias