Enquanto coloca o óleo na panela, tia Nena vai falando da vida.
– Eu sofri muito, mas sinto que foi bom. Não me arrependo de nada. Tudo que passei, eu tinha que passar. Ninguém passa pela gente.
São alguns minutos para o óleo ficar bem quente. Ela mergulha a pontinha da coxinha e, pelo som que faz, sabe se já pode soltar o salgado na panela.
– Ih, não tá quente, não. Mais um pouco.
Depois que joga as delícias no óleo, vai mexendo com a escumadeira. Aperta o dedo para saber se a redondinha está boa:
– Se estiver dura, o dedo não afundar, é porque tá bom. Se tiver mole, o salgado tá cru.
São 18 anos fritando coxinha, risólis, salsichas empanadas, bolinhas de queijo e outras tantas delícias. O “sucesso”, como ela diz, veio agora, no último mês de julho.
A coxinha de frango da tia Nena foi eleita a melhor de Ribeirão Preto pelo portal “Farofa Magazine”. Desde então, o barzinho na esquina da rua Guaporé 1044, bairro Ipiranga, zona Norte de Ribeirão Preto, virou atração.
O moço encosta no balcão e avisa: “Vim conhecer essa tal coxinha”.
– Viu? Agora é assim! É bom demais!
Tia Nena, 72 anos, abre o sorrisão tão presente no rosto. No dia da entrevista, ela havia usado um creme com cheiro de lavanda e exalava perfume. Os cabelos branquinhos e o abraço gostoso não disfarçam, porém:
– Ah, quando eles me atormentam, eu falo uns palavrões.
O aconchego de tia se misturam com a irreverência da Nena.
Joga baralho, toma umas cervejinhas e não economiza no vocabulário. Filho da p… solta quando a meninada que lota o bar jogando bilhar exagera na brincadeira.
– Nunca tive um problema aqui. Todo mundo me respeita!
Antes de abrir o bar, Irani Marques Pimenta, que é chamada de Nena desde menina, já tinha muito trabalho no currículo.
Acostumada então com a luta, não se assustou com a jornada que tinha início antes das 7h e só terminava depois da meia noite, quando o último cliente ia embora.
Começaram servindo salgados e almoço em marmitex.
No começo, ela diz, fazia seis marmitas ao dia, em um fogão pequeno de quatro bocas. Não demorou a ir conquistando paladares com seu tempero. Chegou a servir 350 refeições por dia. E nunca escondeu seu segredo:
– É amor! Não pode faltar!
Diz que compartilha suas receitas com quem quer peça.
Foi assim, aliás, que conheceu a primeira receita da coxinha. Estava no mercado fazendo compras para o bar recém-aberto, começou a papear com uma moça que lhe passou os ingredientes para uma coxinha de não sobrar.
– Depois, eu fui mudando a receita, fui incrementando.
Hoje, então, compartilha o modo de fazer com quem pede. E segue o mesmo para os outros salgados, o bolo, o irresistível molho de pimenta.
– O sol nasceu para todos! Eu quero ver é ter mão para fazer!
Avisa, entre mais um tanto de risos!
– Minha história começa aos 12 anos, quando perdi meu pai.
Tia Nena inicia seu relato com lembrança de tristeza. A família vivia na fazenda, zona rural de Santa Bárbara. Os cavalos estavam brigando e ela chamou o pai para separar.
Quando ele correu em direção aos bichos no pasto, teve um mal súbito e morreu na hora.
– Eu me sinto culpada pela morte dele.
Carregou essa culpa por toda trajetória de luta que escreveu.
Quando o pai morreu seus irmãos estavam com 16, 8 e 4 anos. Mãe e filhos tiveram que trabalhar muito para dar conta da casa.
– Eu catei algodão, carpi cana, arroz. Quando a gente mudou para a cidade, eu ia de pau de arara para a roça. Passava roupa, lavava, trabalhava na casa dos outros.
Conheceu o marido aos 18 anos e em poucos meses se casaram. Vieram morar em Ribeirão Preto e a luta continuou.
– A gente vivia em dois cômodos de tábua. O banheiro era fossa. A água era cisterna.
Aos 19, teve a primeira filha. E logo depois surgiu a ideia.
– Eu tinha que assistir TV na casa da minha comadre, que era vizinha, porque em casa não tinha. Um belo dia, estava vendo e passou sobre um curso de costura por correspondência.
Só frequentou a escola quando criança, por pouco tempo. O suficiente para aprender a ler, escrever e se formar costureira no curso à distância.
– Tudo o que eu conquistei na vida foi com a costura.
Nena costurava roupas e o marido fazia toldos, pastas de couro, bolas.
Entre os turnos, ela conta que também trabalhou em um hotel.
– Foi sempre muita luta, luta, luta.
Por volta de 1994, um cunhado que tinha problemas psiquiátricos e não tinha para onde ir encontrou acolhimento com Nena, o marido e os filhos. Nessa época, eram dois filhos.
O trio nasceu com espaço longo de distância. O primeiro quando ela tinha 19 anos, o segundo aos 27 e o terceiro aos 42.
Para cuidar do cunhado, Nena acabou deixando as costuras de lado. Foram seis anos acolhendo o familiar, que faleceu por volta de 2000.
– Quando ele morreu, eu pensei: e agora? O que vou fazer? Já tinha perdido minhas clientes na costura, estava parada.
Perto de casa estavam alugando uma portinha. Barzinho pequenino, muito simples.
– Eu falei para o meu marido: vamos abrir um negócio para a gente! Ele falou que não ia dar certo. Mas eu falei que ia.
Alugaram o pequeno espaço e começaram.
– Isso aqui era uma bagunça! Mas em dois anos eu guardei dinheiro e comprei o lugar.
Naquela época, ela jamais pensava em ter sua coxinha eleita como a mais gostosa da cidade!
Do começo ficou só a história. O barzinho pequeno foi se transformando em um lugar maior. Tia Nena reformou o espaço e construiu sua casa nos fundos.
Nos primeiros 11 anos serviu marmitex. Coordenava a cozinha com o apoio de uma funcionária que chama de filha.
– Ela é filha, sim. De coração. Está comigo desde o começo.
Faz cerca de sete anos, decidiu parar com as refeições, mas por bom motivo. A filha mais velha, Cecília, abriu um restaurante na quadra de cima, para continuar servindo as marmitas.
O tempero da mãe é inspiração, como a filha diz:
– Minha mãe pode estar cansada que for. Se alguém chega aqui falando que está com fome, ela vai para a cozinha e faz qualquer coisa. Tem dias que eu estou cansada, mas quando chego aqui tenho vergonha de falar, vendo o tanto de coisas que ela já fez.
A marca “tia Nena”, então, se dividiu em bar e restaurante.
É Irani quem cuida do barzinho onde as coxinhas douradas fazem tanto sucesso.
O marido, por muito tempo, esteve junto. Faz cerca de três anos, porém, com mais de 80, deixou as coisas para ela, que soma seus 72.
O filho mais novo está sempre por ali.
– Mas me chama para tudo! Tudo é mãe daqui, mãe de lá.
Os preços das coisas que vende estão registrados na memória.
– Ela sabe o preço de tudo! Não precisa olhar para nada.
É Cecília quem diz, com orgulho de lacrimejar os olhos.
A comanda é feita em papel e lápis, como sempre foi.
– Eu não sei mexer nesse negócio de computador!
Tia Nena continua abrindo pela manhã – mas hoje começa por volta das 9h. E fecha quando o último cliente vai embora.
Vez em quando tira uma folga. Em janeiro, é férias de família.
– Mas eu não fico tranquila longe daqui, não.
Diz que anda um tanto cansada. O corpo vai sentindo tantos anos de trabalho duro. Quando pergunto até quando pretende tocar seu negócio, porém, retoma a energia:
– Ah, até quando Deus me der saúde, eu tô por aqui.
Já quando a entrevista está acabando, chega mais uma cliente querendo conhecer as tais coxinhas. Voltamos para a cozinha, eu e tia Nena, e entre o esquentar do óleo, vamos papeando mais um pouco.
– Sou feliz, graças a Deus! A vida é uma passagem. A gente tem que passar por ela. E ela é boa! Vixi! Tem os momentos tristes, mas tem os bons também.
Ensina bem mais que o ponto certo do fritar.
Não saio de lá sem provar uma coxinha, é claro. E peço, já depois de devorar uma inteira, mais umas cinco para viagem, salsicha empanada e duas fatias do bolo caseiro de chocolate com recheio de coco.
Não há quem resista a tempero de amor: tia Nena acertou no segredo!
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Tia Nena faz parte da história da Farofa. É por esse tipo de história e sabor que trabalhamos. Obrigada por contar sobre ela aqui.
A o que falar da Tia Nena, desde que me lembre da minha infância conheço ela, e td que ela faz é uma delicia, não so os salgados, o bolo, mais faz varias outras coisas deliciosas, por exemplo a bacalhoada da ate água na boca, ela merece esse carinho e muito mais, que Deus ilumine sempre o caminho dela.
Tia Nena é só alegria. Conhece todo mundo pelo nome e pela sua história. Mulher batalhadora. Merecedora do seu susseso. Parabéns tia Nena.
Por gentileza aonde fica estou ansiosa pra conhecer essa Beldade e experimentar essas coxinhas maravilhosa kkk
Tbm queria muito saber. Me deixou com agua na boca kkkk
Faltou endereço..
Pessoal, obrigada pelos comentários. O endereço está no texto: “A coxinha de frango da tia Nena foi eleita a melhor de Ribeirão Preto pelo portal “Farofa Magazine”. Desde então, o barzinho na esquina da rua Guaporé 1044, bairro Ipiranga, zona Norte de Ribeirão Preto, virou atração.”. Abraços!
Tia Nena é incrível ?
Que delícia, de texto e de coxinha (imagino). Quero ir lá comer!!!!
Obrigada, Eduardo!
No mínimo 2 vezes por semana estou lá comendo a coxinha e tomando guaraná de garrafa de vidro, acho que tudo ali é perfeito , a localização bem no meio do Ipiranga a simplicidade da casa , tendo uma pessoa com tamanho história como ela tem ,agora reformaram estão fazendo vitamina suco natural , pra reforçar ainda mais … Quem não foi vai que dah tempo !! Parabéns tia nena .