Ana Lúcia encara doença crônica como aprendizado e mudança

7 dezembro 2019 | Gente que inspira

Vale a pena ler de novo! História publicada pela primeira vez em 5 de maio de 2017!

 

Ana Lúcia tem uma doença reumática sem cura. Não comemora. Mas encontrou mais motivos para agradecer do que para lamentar.

O diagnóstico da esclerose sistêmica trouxe dor, mas também abriu um novo caminho.

– Tudo o que é ruim tem algo de bom logo atrás. É que a gente gosta de ver só o lado ruim das coisas. A doença me abriu o mundo. Me apresentou um universo paralelo.

A menina que começou a cortar cana aos 12 anos, tralhou como doméstica e operadora de máquinas até os 20, hoje é conselheira nacional de saúde e presidente de uma ONG com atuação internacional, prestando assistência a um número de pessoas que não consegue nem mesmo calcular.

Andar de avião e conhecer outros países – conquistas que Ana já pensava serem inalcançáveis – ficou pouco perto da abrangência do Grupar (Grupo de Apoio ao Paciente Reumático de Ribeirão Preto) e da importância de ajudar quem precisa.

Um dia, foi Ana quem precisou.

– Eu poderia não ter passado por tudo isso. Mas eu não seria quem eu sou hoje. Tudo o que passei me fez crescer.

Com o facão na mão, a mãe criou sozinha Ana Lúcia Marçal e seus três irmãos, em Cravinhos. Como era a mais velha, Ana não sabe nem dizer quando começou a ajudar em casa, de tão pequena.

Aos 12 anos, começou a trabalhar na roça, cortando cana. Aos 16, conseguiu um emprego como operadora de máquinas em uma empresa de doces. Trabalhava até às 12h como doméstica e das 14h às 22h na fábrica.

O estudo ficou para depois. Trabalhar era o necessário.

Foi assim até os 20 anos, quando casou e mudou para Ribeirão Preto. O marido incentivou e Ana conseguiu terminar o fundamental e o ensino médio.

Faltava a faculdade. Mas ainda não tinha condições de pagar.

Começou a trabalhar em uma agência de viagens e, aos 28 anos, pensava que deixar o emprego era seu maior problema. O diagnóstico da esclerose o transformou em mínima questão.


 

Ana não sentia dores e não tinha febre. Os únicos sintomas eram uma coceira pelo corpo e um arroxeamento nas pontas dos dedos.

Diz que até os 28 anos nem isso tinha. A saúde ia muito bem.

Quando esses sinais apareceram, buscou alguns médicos, recebeu um diagnóstico que não convenceu e seguiu sem dar muita importância.

Uma amiga trabalhava como secretária de um médico reumatologista, estava saindo de férias e precisava de alguém para cobrir seu lugar.

Ana havia acabado de deixar o local onde trabalhava e aceitou o bico.

Sua mesa ficava em frente ao ar condicionado e os dedos ficavam ainda mais roxos.

Na primeira semana de trabalho, chamou a atenção dos médicos.

– Eu tive sorte. A sorte me conduziu para que eu tivesse um diagnóstico precoce.

Como os primeiros exames não apresentavam resultados, os profissionais encaminharam Ana para o Hospital das Clínicas.

Durante o processo de investigação, ela teve uma inflamação no endocárdio. A complicação fez com que precisasse de internação. E, com a internação, os médicos conseguiram concluir o diagnóstico em 15 dias, “tempo recorde”, como ela mesma diz.

O tratamento foi agressivo. Ana cogitou passar por transplante de células tronco. Para a retirada das células, passou por sessões de quimioterapia que a fizeram perder o cabelo.

Desde então, começou a modificar o olhar.

– É libertador para uma mulher ficar sem cabelo. Por que temos tanto apego a algo que vai crescer?

Foi também durante o tratamento, em 2002, que conheceu um outro paciente com doença reumática e a ideia de montar um grupo de apoio em Ribeirão Preto.

Ana se uniu a ele e começaram com grupos de discussão, encontros entre pacientes e equipe médica. Passaram um ano preparando a parte burocrática.

Em julho de 2004, criaram o Grupar.

Ana não consegue – e nem quer – trabalhar em outro lugar. Desde 2010 na presidência do Grupar, diz que chega na sede da ONG pela manhã e só sai no final da tarde.

Isso quando está em Ribeirão. Em um único mês, ela vai à Brasília, Curitiba, São Paulo e Madrid (Espanha), pelas atividades da ONG e também por seu papel como conselheira nacional de saúde.

Na sede, a ONG faz, em média, 50 atendimentos semanais, oferecendo apoio, orientação e atividades como Yoga, Alongamento, Reiki a pacientes com doenças reumáticas.

Além disso, o grupo tem atuação pela internet com conteúdo em saúde, participa de movimentos nacionais, presta capacitação aos profissionais, tem lista de atuação extensa.

– A informação também é tratamento e pode salvar uma vida.

Ana Lúcia defende.

Em meio a tanta atividade, ela teve tempo para realizar um sonho antigo. Em 2011, conseguiu uma bolsa e entrou na faculdade de Pedagogia. Se formou em 2015 e, agora, aos 44 anos, faz pós-graduação. Não pensa em atuar como professora, mas sabe que está sempre a ensinar.

– Eu exerço de outra forma. Como educadora em saúde.

Ana não acha que fez tudo o que tem para fazer na vida. Está longe disso!

Acredita que há muito a se caminhar em saúde.

– Não temos uma política nacional de doenças reumáticas. As campanhas que existem não são do governo. São dos movimentos sociais. O diagnóstico precoce é fundamental e precisamos capacitar os médicos para isso.

Por tudo o que conheceu lá fora, defende o sistema de saúde que temos aqui dentro.

– Não existe SUS lá fora. Não existe universalidade como no Brasil.

Sabe, porém, que o sistema tem muitas falhas. E acredita que a mudança começa no paciente consciente.

– O paciente precisa saber qual é o seu papel. Não pode ser conivente. Nós temos que brigar para fortalecer o sistema.

Desde 2007, sua doença está em remissão. Ana explica que é como se a esclerose estivesse “dormindo”. A vida, depois de todo o susto e das dores do tratamento, seguiu normal.

A cada seis meses, ela passa pelo médico, mantem bons hábitos e continua a trabalhar pela causa que a vida lhe deu.

– A vida é feita de escolhas. A gente acorda todo dia e escolhe levantar da cama. Temos que ter certeza de que nossas escolhas têm consequências.

Ana entende a doença como “um tropeção, que lhe fez mudar de calçada”, em suas palavras.

Mudou a calçada, mas não deixou de caminhar.

– A vida? A vida é uma viagem louca! Mas eu acredito que nada é por acaso. Não sou especial. Simplesmente tive boas oportunidades. E sorte…

Escolhe levantar da cama todas as manhãs. E prosseguir.

 

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1 Comentário

  1. marciana martins da mata

    Linda historia de superação! Parabéns por ser uma mulher fantástica, guerreira e humilde!

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