Em memória: Antônio faz da vida um ‘recanto de caridade’

20 outubro 2017 | Gente que inspira

Seu Antônio faleceu no dia 22 de setembro de 2019. Esta história é nossa singela homenagem pela trajetória do bem que ele escreveu. 

 

A porta da casa na Vila Virgínia está sempre aberta. As pessoas entram e saem, sem avisos ou cerimônias. Antônio está à espera.

– Essa casa não é de ninguém. É de Deus.

Há cinco anos, colocou no papel o que já é realidade há mais de meio século. Doou o patrimônio que construiu durante 60 anos para a ONG que nasceu no seu quintal.

O “Recanto da Caridade” é lar de Antônio e de outras tantas pessoas que passam por ali, sem precisar bater na porta.

Ele não sabe estimar o número de atendidos. São, em média, 1,8 mil refeições distribuídas por semana. Quem tem fome encontra ali café da manhã, almoço e lanche da tarde.

A ONG também distribui cestas básicas, roupas e acolhe quem precisa só desabafar.

Tudo é mantido por doações. E Antônio faz questão de frisar:

– Não falta nada, filha. Não falta nada porque Deus é maior. Tem sempre alguém perguntando do que a gente precisa.

Também com doações, está construindo uma casa de acolhimento no mesmo bairro. Fala do prédio espaçoso, dos 50 quartos para dar abrigo a quem precisa, da cozinha equipada que pretende inaugurar em três meses, aumentando o número de refeições distribuídas.

É felicidade que vem do ajudar.

Antônio, em seus 85 anos que fazem o cabelo branquear, conta que nunca fez uma viagem ou tirou dias de férias. Conhece o mar de dentro do carro, quando passou pela orla de Santos à trabalho.

Diz que também nunca – nunquinha mesmo – ficou doente, acamado, longe de sua obra.

Seu trabalho é ajudar a quem precisa. E, então, não há tempo de parar.

– Vou continuar até deixar a Terra, filha. E, depois, eu continuo de lá.

Eleva o indicador em direção ao céu e abre um sorriso silencioso.

Antônio era um menino. Diz que o aviso veio aos 10 anos, em um dia de trabalho na roça como tantos outros: “Já é tempo de começar seu trabalho”.

Iniciou ali trajetória de doação, atrelada à sua fé.

Ele não sabe dizer quando começou a orar. Diz que já nasceu no centro espírita.

Depois do “aviso”, passou a benzer quem lhe pedia e nunca mais parou.

Cresceu na fazenda e aos seis anos já trabalhava na roça. Não pôde estudar. E, então, não sabe explicar como consegue ler o Evangelho.

Simplesmente abre o livro e diz o que está escrito, sem nunca aprender o be-a-bá.

Viveu na fazenda até os 25 anos, quando, já casado, decidiu morar na área urbana de Ribeirão Preto. Arrumou emprego na Fábrica de Cerâmica São Luiz, onde ficou por 39 anos, dirigindo maquinário.

Criou seis filhos e viu a família se multiplicar em 12 netos e cinco bisnetos.

Cada tijolo da casa onde se instalaram na Vila Virgínia foi firmado com esforço.

O lar, ele afirma, sempre esteve de portas abertas antes mesmo de ser ONG. Antes mesmo de ser, em papel passado, do bem comum.

– Nunca fechei a porta para ninguém.

As pessoas procuravam Antônio em busca de oração.

Há 35 anos, então, ele fundou a Sociedade Espírita Nosso Lar.

Como o trabalho não se restringia às necessidades espirituais, decidiu formalizar as doações terrenas em ONG.

– Matar a fome a quem tem fome, a sede a quem tem sede. Tem que fazer o bem e não olhar a quem.

Na casa de Antônio, tem sempre alguém a colaborar com o trabalho. Além das doações de mantimentos, são os voluntários que fazem as refeições oferecidas.

Uma delas explica que, não fosse o acolhimento de Antônio, talvez não estivesse viva. Em depressão profunda, encontrou ali as forças para continuar.

É preciso ouvir de terceiros. Antônio mesmo pouco comenta sobre as vidas que ajudou a modificar. Não quer perder o foco.

– Ajudar é muito lindo. Não cansa, porque é um trabalho de Deus e a gente faz com amor.

Diz que o número de pessoas com fome tem crescido cada vez mais. Fome que não se restringe à comida. O afeto também está em falta.

– A gente tá pedindo a Deus para melhorar o nosso Brasil.

Apesar de lidar diariamente com o sofrimento, vê esse nosso mundo com o melhor olhar.

– Esse mundo é um mar de rosas para quem sabe viver. Deus não dá o sofrimento para ninguém. Nós é que pede o sofrimento, filha.

Fala no seu linguajar, que não precisa de nada além de sinceridade.

Antônio sente que tem um dom. E que desperdiçá-lo seria jogar a vida fora. Acredita que estamos aqui para evoluir, e faz sua parte.

– Dá de graça o que de graça recebe, filha. Eu levo o meu trabalho muito a sério.

Um homem entra pela porta aberta. Diz que é sua primeira vez por ali. É recebido por Antônio com conversa, consolo, uma mão no ombro.

Antes de ir embora, garante que vai voltar.

Antônio está sempre à espera.

 

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3 Comentários

  1. Pavini

    Show !!!

    Mil bjs !!!

  2. Juliana Antonio

    Muito linda a história do meu avô… Só tenho que agradecer.

  3. Sonia Maria de Souza Marchesi Marchesi

    amor ao próximo ! Linda história desse Sr. Antonio !????????

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