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Esta história foi narrada pelos integrantes do projeto Doadores de Voz, dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unaerp.
Vale a pena ler de novo! História publicada pela primeira vez em 25 de abril de 2018!
São dois leões grandões. Quando Orival se aproxima do recinto pelas grades onde diariamente coloca comida aos bichos, eles se deitam no chão querendo carinho.
O tratador passa a mão em Zeus e Simba e conversa com a dupla, que retribui com grunhidos e, deitados com as patas para cima, parecem pedir afagos na barriga. Agora, são dois leões – muito – amáveis.
Eu sei: é difícil de acreditar. Eu mesma, se não tivesse visto, talvez não acreditaria.
Mas não para por aí. Na jaula ao lado, moram as onças pintadas Lilica e Spike. Quando Orival chega, rola até crise de ciúme pela atenção dele, que tenta dividir os mimos por igual. Passa a mão no focinho de Spike e agrada Lilica nas orelhas.
– Vem Lilica, vem.
No recito do urso Renan, uma comunicação direta. Orival chama o bicho, que caminha em sua direção e se exibe sob duas patas. Com as elefoas Maison e Bambi é puro amor. As duas se remexem todas e dão a tromba para Orival passar a mão.
Para ele, é tudo uma questão de relacionamento. Dos duradouros, no caso. Há 36 anos como tratador, é o funcionário mais antigo do Zoológico Fábio Barreto, em Ribeirão Preto.
– Eu me adaptei a eles e eles se adaptaram a mim. A gente foi se dando bem, tendo aquelas conversas. Se você tratar o bicho bem, ele vai te tratar bem também.
Já se passaram anos desde que o chipanzé Charles foi embora para o Santuário dos Grandes Primatas de Sorocaba.
– Eu fui buscar o Charles em Brasília. Ele ficou um bom tempo com a gente. Quando ele foi embora, cheguei a chorar.
Repete as lágrimas de outrora pela saudade do companheiro. Foi visitá-lo uma vez, claro. Para se certificar de que realmente o novo lar era melhor do que antigo.
E as histórias são muitas. Levou para casa filhotes de leão e onça que não podiam deixar de ser amamentados – com mamadeira – na madrugada. E cuidou por anos de uma macaca prego, a Chiquita.
– A mãe dela teve seis macaquinhos e rejeitou só ela. Largou no chão. Ela ia morrer. Então, levei para casa e cuidei. Difícil foi trazer de volta!
Foram dois anos para conseguir! A família toda sofreu com a partida da macaquinha, mas Orival sabia que o bosque era o melhor lugar para ela.
Há 36 anos trabalhando entre os bichos, ele sabe bem do que cada um precisa. O principal, garante, é carinho. E nisso, não economiza.
Conta que, depois de tanto trabalho, aos 56 anos, está para se aposentar.
– Não sei como vai ser, não… É uma vida aqui dentro. Separar assim, de repente, é muito difícil.
Os bichos que o digam!
Orival conta que nunca pensou em trabalhar com bicho.
O pai faleceu quando ele – o segundo mais velho de quatro irmãos – tinha 14 anos. Foi preciso unir forças para ajudar a mãe a manter a casa.
Começou a ajudar aos 12 anos, como guarda mirim, e, então, nunca mais deixou de trabalhar.
-Foi difícil, mas graças a Deus a gente supera! Hoje, está todo mundo bem!
Aos 18 anos, ele se casou e foi pai. Pouco tempo depois, perdeu o emprego em um mercado.
– Eu fiquei desesperado! Tinha um filho para cuidar…
Sua mãe, nessa mesma época, trabalhava como varredora na Prefeitura de Ribeirão Preto, e passou a atuar no bosque. Conversou com o diretor, que topou conversar com Orival.
– Ele me disse que estava precisando de funcionários para a manutenção. Eu aceitei!
Naquele tempo, não havia concurso. Orival deixou o bosque com uma carta, que deveria ser assinada pelo prefeito. Vinte dias depois, em 14 de julho de 1981, aos 19 anos, começava como funcionário do bosque.
A função, porém, nunca foi manutenção.
– Quando eu entrei tinha um senhor que tratava dos bichos. E eu fui logo para isso. Comecei sem intenção nenhuma. E fui me apaixonando. Não é à toa que tô aqui até hoje!
Orival conta que, nas primeiras semanas, sentia medo dos grandes bichos – que foram sua especialidade desde o começo.
– Mas com cinco meses de serviço eu já conseguia superar os funcionários mais antigos, de tão bem que me adaptei.
Hoje, garante que não tem “medo nenhum”. Sabe, porém, que é preciso respeitar cada animal.
– O bicho não esquece. Se você fizer mal para ele, um dia ele vai querer te pegar.
Diz que não tem bichos preferidos. Sabe o gênio de cada um.
O urso Renan é arteiro e muito carinhoso.
– Eu fui buscar o Renan em São Carlos. O primeiro contato do bosque que ele teve foi comigo. Ele tinha uns cinco meses. Sempre cuidei dele!
Quando a elefoa Maison chegou ao Zoo, no final da década de 80, Orival questionou:
– Eu fiquei muito cismado: ‘Vou tratar de elefante? Como vai ser isso?’.
Hoje, as duas grandonas são suas companheiras.
Todos os dias, ele chega no bosque às 7h, solta a elefoa Bambi, coloca comida para ela e Maison, e prepara as bandejas dos outros animais. Só deixa o Zoo às 17h.
– Eu gosto muito! Aqui é sossegado, tranquilo. Se você tratar bem o bicho, só tem a ganhar!
A única mordida que levou em 36 anos foi de uma anta. Defende a agressora, porém.
– Ela não era brava. Só estava estressada. Não sei se o tratador antigo deixou ela estressada… Mas ela atacou.
Celebra que essa tenha sido a única intercorrência entre quase quatro décadas de relacionamentos amorosos.
O melhor passeio dos seus três filhos era no trabalho do pai.
– Eu passo o maior tempo da minha vida aqui!
Confessa que até nas férias tem dificuldades de desligar:
– Ah, eu fico preocupado: Será que estão tratando bem deles? Mas aqui todo mundo trata bem!
A única parte ruim de trabalhar tanto tempo entre os bichos é ter que aprender a perder. Vai fazendo a lista: leões, onças, a macaquinha Chiquita e outros tantos amigos que hoje são lembrança.
Se há saudade, há amor: Orival bem sabe.
Encerra mais um dia entre seus companheiros, sem pensar muito no amanhã.
– Eu tô para aposentar… Tô esperando sair.
Repete mais uma vez, sem entender bem se o sentimento é de alegria ou saudade antecipada.
– Minha vida é aqui!
*Quer traduzir essa história em libras? Acesse o site VLibras, que faz esse serviço gratuitamente: https://vlibras.gov.br/
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Que história mais linda de amor!!! Pra lá de bem contada! Parabéns
Muito bonito e importante mostrar a história de alguém que realmente conhece nosso zoológico. Muitos criticam sem saber o que ocorre lá dentro e tudo que os funcionários fazem em amor aos animais. Fico feliz de ter feito estágio lá e conhecido de perto um pouco dessa e várias outras trajetórias. A única coisa difícil é se desprender de lá, conquista nosso coração!