Vale a pena ler de novo: Padre Gisberto perdoou assassino do seu pai

1 setembro 2017 | Gente que inspira

Gisberto conta sem espanto o que parece inacreditável. Foram muitas as confissões que ouviu em 58 anos de sacerdócio. De uma delas relembra até mesmo os detalhes.

E desenha a cena: subiu as escadas de madeira do hotel e, antes mesmo de chegarem ao quartinho minúsculo, aquele homem que tanto buscara estava em lágrimas.

Consolou o assassino do seu pai, como faria a qualquer outro que lhe procurasse na igreja ou fora dela.

– Não precisa chorar, porque cada um de nós tem cinco minutos de anjo e cinco de capeta.

O padre deu alento ao homem que deixou, além de si, outros dez filhos órfãos de pai.

– Pode ser o crime que for, tem que tratar como gente.

É o lema que defendeu toda a vida e ainda hoje, aos 85 anos.


 

Gisberto Pugliesi, o caçula de onze filhos, tinha um ano e três meses quando o crime ocorreu. A família vivia de agricultura e criação de animais, em uma chácara de Uberaba.

Um rego de água que cortava as terras foi o motivo da discórdia. O pai de Gisberto e o vizinho não se entenderam sobre o uso do córrego e o homem resolveu na espingarda.

Esperou debaixo de um pé de café e atirou, quando o pai chegava em casa.

Impossível exigir qualquer memória de uma criança de colo. Gisberto conta que passou a entender o contexto familiar lá pelos cinco anos. A mãe já havia se mudado para Franca, tentando criar os onze filhos com a ajuda da família.

Os irmãos começavam a trabalhar com 10, 11 anos. Gisberto começou em uma livraria e foi de pequeno que decidiu:

– Eu sempre tive na cabeça a ideia de encontrar esse homem.

Garante – diferente do que se pode imaginar – que a ideia nunca foi movida a vingança ou mágoa. A mãe cultivou outros sentimentos entre as tantas dificuldades que enfrentaram.

– Mesmo com tudo, minha mãe nunca na vida se queixou. Nunca!

Gisberto, que nem padre era, já pensava no perdão.

Ele estava com 14 anos, trabalhando em uma loja de roupas, quando o padre da paróquia morreu. Pediu folga para ir ao velório.

– Nunca tinha visto padre morrer e queria saber como padre morria.

Decidiu ali que seria padre, para substituir a perda.

Foram onze anos de estudo em Ribeirão Preto e São Paulo antes de celebrar a primeira missa. Na foto da ordenação, em cinco de julho de 1959, os dez irmãos e a mãe estavam reunidos em celebração.

A jornada que começou ali foi sempre voltada ao outro. Em Jardinópolis e Ribeirão Preto, onde passou a vida sacerdotal, construiu casas para famílias e crianças, foi diretor de serviço social na prefeitura e cura da Catedral de São Sebastião. Na Pastoral Carcerária – e hoje fora dela – defendeu a dignidade do preso.

Conta que chegou a brigar com o Judiciário para conseguir tratamento a um homem que estava morrendo de tanto apanhar na cela.

O perdão sempre esteve presente. Mas, mesmo com tanto feito, faltava o principal.

Na década de 70, enfim, Gisberto encontrou o homem que passou uma vida a buscar.

Esteve em Uberaba, cidade onde o crime se passou, levando presos que participavam de um curso da Pastoral Carcerária. Durante seu discurso, Gisberto contou aos detentos a história do assassinato do pai.

– Se esse homem estivesse vivo, eu estaria pronto para perdoá-lo.

No final do curso, um funcionário do local procurou o padre e disse que conhecia a história. O homem, ele revelou, morava e trabalhava em um hotel da cidade.

Gisberto só foi ao local quando Júlio, o assassino que agora tinha nome, avisou que aceitaria recebê-lo.

Foi sozinho e levou no bolso, por intuição, a hóstia sagrada.

– Se ele não fez a comunhão, vai ser a chance da vida dele.

E foi.

Padre e assassino em lágrimas conversaram sobre Deus, perdão, comunhão.

Gisberto convidou o homem a comungar e entregou a ele o que na igreja católica é símbolo do corpo de Cristo. É preciso que o fiel confesse seus pecados para receber a hóstia.

Pelas mãos do padre Gisberto, filho do homem que matou, Júlio recebeu a primeira comunhão.

Depois desse dia, padre e assassino não se viram mais. Gisberto soube que o homem morrera dois ou três anos mais tarde. Respirou aliviado, por sentir que cumpriu sua missão.

– A capacidade de perdoar vem do conhecimento de quem é Jesus. Eu fui formado para perdoar, não para vingar. Estou sempre ao lado do pobre, do sofredor, do injustiçado.

 

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