Venilton se formou professor na prisão e hoje faz pós-graduação

2 outubro 2018 | Gente que inspira

Vale a pena ler de novo! História publicada pela primeira vez em 16 de novembro de 2017!

 

Quando o diretor da faculdade chegou ao presídio com convite para o curso de Pedagogia, Venilton não sabia que profissão era aquela.

– Quando eu vi que terminava em “ia”, falei: ‘Já estou indo’! Eu achava que tinha alguma coisa a ver com educação.

Já fazia algum tempo que ele descobrira um novo caminho pelos estudos.

Passou 33 anos na prisão, entre idas e vindas para a rua. Fala que nos últimos 12 anos ininterruptos atrás das celas, na penitenciária de Serra Azul, conseguiu enxergar além.

– Tem gente que quer pagar de malandro: ‘Tirei 20 anos, 30 anos’. Eu tenho vergonha. Não me trouxe benefício nenhum. A não ser nesses últimos 12 anos.

O primeiro sonho foi terminar o ensino médio. “Um sonho simples”, nas palavras de Venilton Leonardo Vinci.

Terminou e logo virou monitor dos outros presos que queriam estudar. Assumiu a coordenação da sala de biblioteca, aprendeu braile e passou a ensinar alunos com deficiência visual.

– Sem saber o que era pedagogia, eu aprendia a ser um professor.

Quando o diretor entrou na sala com o convite, Venilton sentiu que era coisa boa. Quando soube que poderia ser professor, não teve dúvidas.

Começou a faculdade à distância em 2009.

A falta de um computador onde pudesse estudar fez com que ele pegasse uma lista de reprovações naquele semestre.

Resolveu começar do zero, prestando um novo vestibular. Passou novamente, conseguiu um computador para estudar na penitenciária e conquistou o título que carrega com orgulho: foi o primeiro preso do estado de São Paulo a terminar um curso superior dentro da prisão.

Quis mais, porém. No último dia 12, fez quatro meses que deixou a prisão, em regime aberto. Depois de um mês em casa, conseguiu bolsa para pós-graduação à distância em Psicopedagogia.

Faz o curso entre um bico e outro como marceneiro. Quer, um dia, estar na sala de aula.

– O professor abre caminhos. É isso que eu quero fazer.

Venilton se formou na prisão - História do Dia

Venilton entrou no crime na adolescência, com 16, 17 anos. A família era simples: quatro filhos, mãe faxineira, pai remessista de filmes.

Venilton diz que os motivos que o levaram para a criminalidade foram outros. Queria se sentir “parte da turma”.

– Escolhi uns atalhos. Para fazer parte do grupo de amigos, usava um baseado, um pó.

Quando se deu conta, tinha abandonado a escola e estava fazendo furtos de carro. Do furto, passou a roubar camionetes para revender.

A primeira prisão foi no dia 14 de agosto de 1979, aos 19 anos: data que lembra na ponta da língua.

– De lá para cá, passei um tempo na rua e um tempo na cadeia. Perdi 33 anos da minha vida no cárcere.

Em 2005, aos 45 anos, foi preso em flagrante por homicídio. Diz que matou a tiros um homem que o ameaçava. Ficou 12 anos na prisão.

– Hoje, se eu pudesse voltar no tempo, preferia ter eu mesmo perdido a vida.

Venilton se formou na prisão - História do Dia

Foi preciso mais de uma década encarcerado para Venilton decidir mudar.

– É minha última oportunidade na vida. Eu sei as escolhas que tô fazendo hoje.

Aos 58 anos, diz que está recomeçando.

Conta de um filme que assiste com frequência cujo enredo é a história de um professor que sabia entender as diferenças dos seus alunos. E encontrar o potencial de cada um.

– O professor tem que preparar o aluno para o que vem. E se aproximar dos pais.

Enquanto não realiza o plano de dar aulas, ele vai se virando como dá. Transformou o fundo de casa em marcenaria.

Diz que não soube dar valor ao sobrenome de gênio cientista: Venilton Leonardo Vinci.

Mas garante que, agora, está no caminho certo.

– Eu penso em escrever um livro: ‘Superação atrás das grades’. Mostrar a verdade dentro da prisão e salvar vidas. Não permitir que as pessoas entrem nesses atalhos da vida.

Decidiu caminhar em linha reta. Sem atalhos.

Dados

A SAP (Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo) informou que, desde 2013, oferece ensino por meio de escolas vinculadas, onde os presos recebem aula de professores da rede pública de ensino dentro dos próprios presídios. A Lei de Execução Penal, artigo 126 parágrafo 1, prevê que a cada 12 horas de frequência escolar (ensino fundamental, médio, profissionalizante, superior ou de requalificação profissional) o detento subtraia um dia de sua pena.

A população carcerária do estado de São Paulo, de acordo com a SAP, é de 222.564 presos. Desse total, 33,9 mil presos estudam, o que representa 15,2%. As atividades oferecidas são: ensino formal, atividades estudantis complementares, cursos profissionalizantes e  Programa de Educação para o Trabalho (PET).

As duas unidades prisionais de Serra Azul abrigam hoje 3.558 presos, o dobro da capacidade das instituições, que é de até 1.712 presos de acordo com dados da SAP. Do total de presos, 341 estudam, o que representa 19,9%.

 

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