A trajetória de Negrão Azevedo

16 agosto 2018 | Gente que inspira

Vale a pena ler de novo! História publicada pela primeira vez em 6 de novembro de 2017! 

 

Quem viveu em Ribeirão Preto na década de 70 viu Negrão Azevedo desfilar com seu “avião”.

Não ia pelos céus, mas pelas ruas da cidade, instigando os olhares e juntando os curiosos com suas rodas e motor improvisados.

O chamariz político garantiu muitos dos votos que elegeram Negrão em 1977, como o terceiro vereador negro da Câmara de Ribeirão Preto.

– Mas também assustava muita gente na rodovia! Eu ia até Guatapará e voltava de avião! Era um carro Landau que eu transformei.

A outra parte dos eleitores se deixou conquistar pela praia em pleno centro urbano que Negrão prometeu construir e pelas rosas que ele distribuía, sempre com o mesmo bordão: “Ofereço a você, padrinho e madrinha, esta rosa”.

De 77 a 83, ajudou governar Ribeirão Preto.

Hoje, aos 87 anos, sentado em uma cadeira de varanda vendo o neto caçula brincar, ele conta que a estratégia de campanha que ficou na história da cidade foi feita com pouco dinheiro e muita criatividade.

– O avião foi a forma de fazer propaganda, porque eu não tinha dinheiro. Me elegi pelo avião, pelas rosas e pela minha honestidade.

Manoel Negrão Azevedo percorreu na dianteira o caminho da vida.

Criou a primeira borracharia 24 horas de Ribeirão, trouxe o boxe para a cidade, foi um dos primeiros negros a ocupar cadeira na Câmera. Aos 58 anos, se formou em Direito. E, entre tudo, atuava como funcionário público federal do Ministério da Saúde, no Sandu (Serviço de Assistência Médica Domiciliar de Urgência), serviço no qual se aposentou.

Fala de honestidade muitas vezes durante a conversa. Diz que, por ela, sofreu perseguições políticas e recusou dinheiro gordo.

– Sempre andei dentro da educação que meus pais queriam. Não abaixei a cabeça. E sofri muito por isso.

Hoje, diz que a vida é “vitória”.

Mesmo com tanto já vivido, porém, ainda convive com o mal que sonhou desaparecer.

– O preconceito continua porque falta união entre os negros. O negro não é unido.

Negrão Azevedo Ribeirão Preto História do Dia

Negrão repete que o AVC que sofreu cinco anos atrás o fez esquecer muito do que viveu. Conta, porém, com riqueza de detalhes, os fatos que marcaram sua trajetória.

Diz que ainda escuta o uivar de um cavalo atropelado quando era criança e morava na chácara Palma Travassos, onde hoje é o estádio do Comercial. O bicho agonizou a noite toda e, ainda hoje, continua a agonizar em sua cabeça.

Ele e os cinco irmãos começaram a trabalhar muito cedo pela necessidade: o pai perdeu a visão e a mãe não podia fazer mais que cuidar da casa e das crianças.

Negrão conta que, aos seis anos, saía a pé da chácara e ia até a praça Sete de Setembro, no Centro de Ribeirão, pedir comida. Voltava sempre com uma marmita, que o pai estava a esperar na porta de casa.

– É por isso que, quando eu entregava a rosa na campanha, falava “padrinho e madrinha”. Porque o povo nunca me deixou sem comida.

Maiorzinho, ele secava feijão no sol quente. Depois, passou a entregar marmita de casa em casa, a vender fruta e aos 16 anos foi trabalhar numa serraria, que vendia cal e cimento.

Começou o curso de torneiro mecânico, mas não terminou. Diz que aprendeu a ser borracheiro com a mão na massa.

Aos 23 anos, foi chamado para trabalhar no Sandu e chegou a morar fora de Ribeirão, trabalhando como motorista de ambulância.

Em 1961, aos 31 anos, voltou para a cidade transferido pelo Sandu e um ano depois abriu a borracharia que ainda hoje funciona na avenida Meira Júnior.

Conta que a ideia surgiu da falta. Precisou trocar um pneu na madrugada e não encontrou lugar.

Relembra que, na época, a única coisa que funcionava 24 horas na cidade era a fábrica da Antártica, que entregava gelo para manter as geladeiras feitas em madeira funcionando.

Quando abriu as portas, a borracharia de Negrão ficava na avenida Francisco Junqueira, onde funcionou também o primeiro Clube de Boxe de Ribeirão Preto.

Negrão voltou trazendo mudança.

Ele e o irmão Ezequiel conheceram o boxe em São Paulo. Ezequiel, inclusive, competia como lutador. Abriram a academia e, então, movimentaram a cidade trazendo atletas de todo Brasil para lutar na Cava do Bosque.

A borracharia fixou lugar na avenida Meira Júnior por volta de 1975. O clube de boxe, com a morte de Ezequiel em 2003, fechou as portas.

 

Manoel era só Azevedo até 1961. O Negrão veio para dar nome à borracharia.

– Nasceu numa noite de plantão no Sandu. Eu estava comendo lanche com um médico e perguntei para ele: “Que nome vou dar para a borracharia?”. Ele levantou rápido e respondeu: “Pro seu tipo, tem que ser Negrão Azevedo”.

Entrou na Justiça anos depois e conseguiu mudar o registro de nascimento, somando o nome que tem orgulho em carregar.

– Era Manoel Azevedo. Com o Negrão, as portas se abriram. Tá vendo meu netinho? Ele tem o Negrão no nome também. É Negrão Azevedo.

Negrão diz que, para manter as portas da borracharia abertas, teve que enfrentar pressão de todo tipo.

Conta que a fiscalização encontrava entraves para obrigar o fechamento às 19h e que, toda semana, o alvará de funcionamento colado na parede desaparecia.

– Eu passei muita dificuldade nessa época.

Acredita que o preconceito teve sua participação nessa perseguição. Assim como guardou os olhares que recebeu quando tomou posse do cargo de vereador.

– Eu era duramente criticado por ser negro. Uma funcionária disse: “Onde já se viu deixar um negro entrar na Câmara?”.

Ouvia e continuava seu trabalho.

 

A praia em pleno centro urbano, ele justifica, foi pensada para levar lazer a quem não tinha. Relembra que, na época, até mesmo as ruas onde os negros podiam passear eram delimitadas.

– Era muito difícil para o negro entrar no clube. As pessoas não tinham onde ir.

Avalia que hoje as coisas estão melhores, mas ainda muito distantes do ideal.

– O negro não vota no negro. Não tem união.

Apesar da decepção com a política de outrora refletida no cenário de hoje, diz que se sente realizado.

– Me sinto honestamente realizado.

E, mais uma vez, a honestidade volta à pauta.

– Tudo o que eu consegui foi trabalhando honestamente.

Quando a pergunta é por que falta união entre os negros, ele franze a testa.

– É uma bela pergunta… Porque o negro não reconhece o valor que ele tem. Se os negros se unirem e formarem um grupo social e político, vamos ter tudo na mão.

Negrão teve quatro casamentos, que lhe trouxeram 13 filhos, 33 netos e um tanto de bisnetos.

– Sofri muito, mas valeu a pena.

Seus pensamentos continuam na dianteira.

 

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