Álbner é o artista que dá vida a Susi Valentino

6 abril 2017 | Gente que inspira

Valentino é muitos: Susi, Papai Noel, palhaço, Chaplin, oito fantoches em um mesmo palco. Álbner é um só: o artista que dá vida a tantos personagens, com amor que transborda.

Álbner Lopes da Silva é o nome do menino que aos seis anos, vendendo verdura de porta em porta, sonhava em atuar.

Álbner Valentino é nome artístico, que veio quando o sonho começara a ser realidade. E fez nascer a “Família Valentino”, com todos os personagens que o artista leva aos palcos.

Susi, não há como negar, tem papel principal. A drag queen que desata gargalhadas nas festas e eventos de Ribeirão Preto ocupa a maior parte do coração – e da agenda – de Álbner.

Com ela, o artista precisou ampliar o repertório de aprendizados. Da maquiagem e figurino aos preconceitos e olhares tortos: Susi é complexa dos pés à cabeça.

A carreira do artista, a partir dela, tomou forma.

Hoje, Álbner diz todo cheio, Susi é conhecida – e querida – por onde passa. Foi um longo caminho até aqui, porém. Ele construiu a personagem fio a fio.

– A Susi é engraçada e sofisticada. É do tipo que vai numa loja comprar pulseiras, compra logo 30 e enche o braço. É forte. E ao mesmo tempo em que morde, ela assopra.

Para Álbner, Susi, com 18 anos de carreira, é ser independente. A gente chega a se esquecer do personagem.

Álbner é um só. Valentino é muitos. Susi, para o artista, é única.

Aos 42 anos, Álbner se sente realizado. Não precisaria dizer. Um pouco de conversa e já se entende.

Fala da vida com sorriso aberto e emoção rasgada. A trajetória foi dura, ele não esconde. Mas o presente é recompensa. E, então, não há motivos para lamentos. O artista ama o que faz: sua maior conquista.

– Viver de arte é um sonho realizado. Em qualquer lugar que perguntam minha profissão eu posso responder: sou ator.

A arte bateu cedo à porta da casa simples, feita de tronco de coqueiro e barro, onde Álbner viva com os pais e os irmãos em Jales.

Com seis anos, conta que já tinha marcas do trabalho no corpo. O braço era riscado pela cesta onde levava as verduras e outros produtos que vendia.

Ganhou sua primeira roupa nova aos 11 anos. Até então, tudo que usava vinha de doação. O arroz e ovo não faltavam, mas era raro ter mais que isso na mesa.

O jeito extrovertido e a “vontade de aparecer”, como Álbner descreve, começaram aí, entre todas as dificuldades.

Na adolescência, quando decidiu fazer curso de teatro, ninguém se surpreendeu.

 – Minha família sempre me apoiou. Hoje, tem orgulho de mim.

 

O curso era oferecido pela prefeitura de Jales, totalmente gratuito. Foi o que abriu os caminhos de Álbner. Aos 17, depois de um ano de aprendizado, ele decidiu morar em Ribeirão Preto para correr atrás do sonho.

Dividia a rotina entre o teatro e os empregos que conseguia. Salgadeira, loja, mercado, carregador de mercadorias: não parava muito tempo naquilo que não gostava de fazer.

Em 96, decidiu arriscar o pouco que tinha.

Conseguiu um acerto na firma e comprou tudo o que recebeu em figurinos de palhaço e papai noel. Fez fotos e saiu distribuindo. Começou a trabalhar.

Dois anos depois, decidiu ir mais longe. Partiu para São Paulo em busca de formação. Para se manter, trabalhava como estátua viva nas ruas. Diz que contracenou com muito artista renomado e aprendeu muito. Mas não conseguia pagar as contas.

– Depois da peça, a gente recebia R$ 4, R$ 5.

Decidiu voltar para Ribeirão e continuar o trabalho como Papai Noel, palhaço e o que mais surgisse.

 

A Susi surgiu um tanto a contragosto do artista. Um cliente pediu que Álbner se vestisse de mulher para uma festa. Ele dava aulas de teatro para crianças e tinha trabalhos garantidos como papai noel e palhaço.

– Minha área era totalmente infantil. Fiquei em dúvida.

Decidiu aceitar o desafio.

Pegou uma roupa emprestada da mãe, a peruca que usava para fazer o bom velhinho, passou uma maquiagem verde no rosto e simulou uma máscara. Chegou na festa exigindo que o anfitrião assumisse a paternidade de um filho.

Susi Valentino nascia ali.

Em um ano, ela já estava participando do baile de Carnaval do Amir Calil, um dos mais tradicionais de Ribeirão Preto.

 

 

Álbner é criterioso com a postura da Susi. No show, ele garante, não tem baixaria, palavrão, desrespeito.

– Quanto mais as pessoas rirem comigo, melhor. Mas é rir comigo, não de mim.

Se faz respeitar.

A pergunta mais insistente é em relação a sua orientação sexual. Álbner se incomoda com a falta de informação. E dá sua opinião.

– A travesti ou transexual é um homem que se sente mulher e é mulher 24 horas. A drag, não. É um homem caracterizado como mulher.

A quem insiste em perguntar o que não interessa, ele é franco:

– Minha vida pessoal não precisa estar nas capas dos jornais. É um assunto que não interessa.

A exposição de Valentino fica nos palcos.

 

 

Álbner faz sozinho a produção da Susi. Aprendeu a maquiar, montar o visual da drag queen, costurar, buscando inspiração na Elke Maravilha.

– Quando melhora a produção, melhora a procura por serviço.

Hoje, o artista demora duas horas para ser Susi. A agenda está sempre lotada.

Faz outros personagens, como o papai noel de outrora, que continuou no repertório. Mas a drag é responsável por 70% dos shows.

Com Susi, ele abriu de vez as cortinas do palco. E da vida.

Diz – sorriso contrastando com o olho cheio de água – que a família apoia e participa da sua carreira. A criação da mãe é que fez com o artista soubesse se virar. Os conselhos do pai formaram o interior.

– Meu pai dizia: ‘Ser pobre não é defeito. Defeito é não ter caráter’.

A arte trouxe casa própria, carro, autonomia.

– Uma pessoa que passou por tudo que passei e continua firme, além de ser um sobrevivente é um ser que se superou.

Na peça da vida, Álbner – Lopes da Silva ou Valentino – é diretor.

 

*As fotos de Susi e dos demais personagens de Álbner são de acervo pessoal. 

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