Arroz, feijão, calabresa com mandioca: tudo com gosto de delícia, posso certificar depois de provar um prato.
Toda segunda-feira, há um ano e meio, é assim. No grupo com cerca de 20 pessoas alguns cozinham, outros embalam, outros entregam e há ainda os que participam de todas as etapas.
Cada um doa o que pode para fazer 20 quilos de arroz, nove de feijão, 20 de carne, frango ou outra proteína, farofa, legumes e verduras se transformarem em 200 marmitas.
Por volta das 19h, quando o carro com as quentinhas chega à praça Schimidt, ao lado da rodoviária de Ribeirão Preto, uma fila que pega todo o quarteirão já está à espera.
Tem idosos, crianças, jovens, gente de toda idade e todo perfil. Moradores de rua, trabalhadores terminando a jornada, desempregados, usuários de droga que vagam sem rumo, famílias inteiras.
A fome é tristeza que dói o estomago e mora nos olhos.
O senhor mal recebe a marmita, abre e começa a comer ali mesmo, em pé. O jovem empurra a cadeira da senhora que não pode andar. São os primeiros da fila. Pegam duas marmitas e agradecem.
“Obrigado” é palavra na boca de quase todos os que passam por ali.
Na segunda-feira em que eu estive presente, foram distribuídas quase 200 marmitas, sem “repeteco”, que é quando todos já comeram e ainda podem repetir. Nesse dia, o número de pessoas era tanto que não sobrou para o “bis”.
Fernanda Kuhn, que está no grupo desde o início, conta que começaram com 80 marmitas. Depois foram para 100 e, muito logo, estavam em 200.
A preocupação é não deixar ninguém sem o jantar.
– A gente não tem coragem de parar porque sabe que, toda segunda-feira, eles estão lá esperando.
A ideia de entregar comida a quem precisa surgiu de uma amiga, Sílvia, que lutava contra um câncer.
A luta de Sílvia terminou em outubro deste ano. Ela faleceu, mas sua iniciativa continuou viva.
Os participantes dizem que Fernanda, que acompanhou o nascer do grupo, é a coordenadora, o que ela rebate contando que ali todo mundo ajuda igual.
Relembra, porém, que lá no começo chegou a ir com apenas uma amiga fazer as entregas depois de passar um dia todo cozinhando.
Hoje, o grupo Anjos da Cidade RP tem página no Facebook e duas dezenas de gente ajudando toda segunda-feira.
Eles postam a lista de mantimentos que precisam e recebem doações de amigos, conhecidos, colegas de trabalho.
Na segunda-feira, dividem os mantimentos em muitas panelas, para não sobrecarregar ninguém.
Às 17h, já tem gente na casa da Fernanda para começar a embalar. Um coloca o arroz, a outra o feijão e a marmita vai tomando forma.
Às 19h, alguém avisa que é hora de ir.
– Às 15h, eles já começam a fazer fila na praça.
É a integrante Patrícia quem diz.
A fome tem pressa de passar.
A entrega é sempre uma caixa de surpresas.
Neste dia, 20 de novembro, fomos recebidos por uma usuária de drogas muito alterada e com o corpo todo machucado.
Os integrantes do grupo explicaram que ela sempre está por ali.
O grupo não tem apoio de órgãos públicos ou da Polícia Militar.
Demorou uns 10 minutos para a coisa toda se resolver. A moça ganhou sua marmita e, com a ajuda de outros moradores de rua, deixou o local.
A entrega foi retomada, então.
Foram distribuídas senhas e tudo ocorreu em paz.
Entre as marmitas, vão chegando outras demandas.
O senhor que precisa de um sapato, mostrando os furos do seu.
O jovem que está na rua há dois meses, por brigas com a família, e quer um lugar para tomar banho.
O homem que precisa de um antídoto contra pulgas.
As demandas – por mais que pareçam estranhas, como a das pulgas – são recebidas com carinho pelos integrantes.
Uma delas, que também está desde o início do grupo, não participou da entrega neste dia porque conseguiu uma passagem de ônibus para um homem que estava vivendo na rua voltar para sua terra natal e foi levá-lo à rodoviária.
– A gente acaba conhecendo a história de cada um que passa por ali.
Explica a voluntária Daniela.
Fernanda conta que, muitas vezes, o grupo é alvo de críticas.
– Eu não posso dar um emprego. Hoje, o que eu posso dar é a comida. Estamos fazendo um trabalho social.
No final, a sensação é de dever cumprido. Os integrantes se unem para uma foto.
– Eu tenho orgulho de falar do que fazemos. Assim, inspiramos outras pessoas a ajudar.
E, antes de ir embora, ainda ouço uma das voluntárias questionando: ‘Mas o que será que eu posso trazer para ele resolver esse problema das pulgas?’
Toda fome é importante, o grupo bem sabe. A fome por dignidade tem pressa de passar. E o trabalho não pode parar.
No dia 18 de dezembro, o grupo irá realizar uma ceia de Natal na praça! Quem quiser ajudar, está convidado a levar um prato especial, que será compartilhado!
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Parabéns. Gostaria de ver mais de perto os trabalhos.
Parabéns pela iniciativa da redação das histórias! Adoro…são histórias ótimas, muito bem redigidas e de grandes exemplos, além de edificantes.
Adorei a forma como colocou nosso trabalho. Tenho outros que podem ser história do dia.
Parabéns pelo texto.
Bjos
Bom dia, gostaria de doar alimentos, como fazer