– Ver a pessoa chegar aqui muito debilitada, cheia de esperança em um futuro que ela não sabe como será, e depois encontrá-la saudável é gratificante. O que eu sei é isso: cuidar do paciente e da sua família.
A assistência social surgiu no caminho de Clara por acaso.
– Com 18 anos, a gente não sabe o que quer fazer da vida…
Uma amiga avisou que na usina de Serrana estavam precisando de assistentes sociais para estágio. Clara foi até lá, conversar com a profissional que recrutava as estudantes, e saiu cheia de expectativas.
– Diziam que era a profissão do futuro, uma coisa muito nova.
Se matriculou no curso e foi contratada na usina, onde ficou pelos quatro anos da faculdade. Mas a assistente social que lhe fez se encantar pela profissão deixou o cargo. E Clara sentiu que era hora de buscar novos rumos.
Entrou como estagiária do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (HC) por volta de 1973.
– Um mundo totalmente diferente se abriu para mim. Havia muito sofrimento. Muitos problemas que a gente tentava amenizar.
Em 1975, passou no concurso e foi contratada como assistente social. Se encontrou com o cuidar, em um pacto que persiste até hoje, com seus 66 anos.
No final da década de 80, foi implantado o Centro de Transplante de Medula Óssea do HC. Em 1991, Clara foi chamada para integrar a equipe.
O procedimento entre a preparação, o transplante e pós dura, em média, 130 dias. Depois, o paciente ainda precisa retornar periodicamente ao hospital, para consultas e avaliações.
Clara via famílias venderem tudo o que tinham, em estados do Norte e Nordeste, e partirem para Ribeirão Preto em busca da cura, sem ter onde ficar nesse longo período.
– Nós levávamos muitos pacientes para dormir nas nossas casas. Alguns pacientes acabavam desistindo do tratamento…
Era preciso estender o cuidar para além dos muros hospitalares. E assim foi.
Em 1991, o Grupo de Apoio do Transplante de Medula Óssea (Gatmo) foi implantado, com apoio da equipe médica e de um casal que perdera o filho para a leucemia.
Em 1995, conseguiram a casa que, ainda hoje, abriga voluntariamente pacientes e suas famílias vindos de todos os lugares do Brasil.
Desde então, Clara Lúcia dos Santos Bertagnolli ampliou sua família e ganhou um segundo lar.
– Eu não vejo minha vida sem o Gatmo. Eu venho porque sinto que preciso estar aqui.
Clara conta que no Gatmo muitos pacientes assopram, pela primeira vez, as velinhas de um bolo de aniversário. Toda as datas comemorativas são celebradas com festa.
As portas da casa, que funciona pela solidariedade de 20 voluntários, ficam abertas 24 horas, para pacientes que chegam nos mais diversos horários, dos mais distantes lugares.
Há estrutura para acomodar até 25 pessoas. Ali, o paciente e um acompanhante encontram alimentação, hospedagem e, o que Clara considera principal, apoio.
– É mais do que a comida e o teto. É acolhimento. Aqui, o paciente compartilha angústias, a saudade, os medos. E ele entende que não é o único com esse problema.
A instituição é mantida por pouquíssimo apoio público e muita doação. Os voluntários vendem cachorro quente e outras gostosuras na porta do Hospital das Clínicas duas vezes por mês, além de fazerem bingos e eventos para arrecadar fundos.
Aos pacientes e seus acompanhantes cabe a manutenção da casa: organizar, limpar, cozinhar.
– É, inclusive, uma forma de essas pessoas estarem ativas. As mulheres se reúnem na cozinha, matam um pouco a saudade de casa.
A dieta, aliás, é criteriosa. O paciente transplantado deve comer alimentos sempre cozidos, e precisa ter uma alimentação bem balanceada.
Estudantes da USP estão sempre ali, desenvolvendo atividades.
– Vem o pessoal da Psicologia, Direito, Educação. Passam filmes, fazem malabares. O paciente não está sozinho. Ele se sente acolhido.
Para Clara, o carinho compartilhado faz a casa ser acolhimento.
– Muitas vezes, a gente só precisa de um abraço, de um olhar, um bolo de aniversário.
A fé que habita seu coração foi construída entre sofrimentos.
Seu segundo filho morreu com dois meses e meio de vida, sem sobreavisos. “Mal do berço” é o termo usado pelos médicos para as mortes súbitas de bebês saudáveis.
O bebê de Clara dormia quando morreu.
– Sabe quando você parece envolta em uma nuvem, uma névoa?
Foi buscar forças na fé, na espiritualidade. E no cenário que lhe rodeava.
– Bem naquele momento eu fui trabalhar na neuropediatria. E via crianças com sequelas. Meu filho poderia ter tido muitas sequelas, se sobrevivesse. Parecia um aviso de Deus.
Foi o que fez. Se reinventou pela dor.
– A partir daí eu passei a acreditar que havia um propósito em tudo. A gente precisa saber que, se hoje está ruim, amanhã vai ser melhor. Hoje você não está entendendo. Mas vai ter uma explicação.
Clara se fortaleceu. E passou a entender a força das pequenas coisas.
A rotina hospitalar foi de muitas perdas, como ainda é o dia a dia no Gatmo.
– Toda perda é difícil. A gente cria um vínculo com o paciente.
Procura, porém, fixar o olhar na vida.
Mostra a foto de duas crianças coladas na parede do Gatmo. Conta que hoje os dois estão grandes, esbanjando saúde.
– A pessoa chega aqui para se curar. É gratificante saber que ela teve um lugar para ficar e está bem.
A aposentadoria do cargo no HC saiu em 2012. Até então, Clara conciliava a rotina no hospital com os trabalhos na casa de apoio.
Há seis anos, assim, ela atua no Gatmo como voluntária. Passa pela instituição todos os dias, de segunda à sexta, mesmo que por meio período.
Nos finais de semana, folgas e feriados o celular fica ligado.
– Eu não tenho duas vidas: aqui eu fecho e vou embora. Eu estou sempre conectada. As vezes acaba alguma coisa e o pessoal me liga: “Acabou o suco”. Lá vou eu!
Fazer o bem, para ela, é ter a vida abençoada.
– A felicidade não está em ser muito rico. Se você faz o bem, vive plenamente. Mas não se faz o bem pensando em algo em troca. Fazer o bem é um estado de espírito.
Está sempre colocando metas para a aposentadoria plena.
– Quero ficar até conseguir fazer dessa casa uma instituição estruturada, com recursos. Hoje, a gente dá um jeito para tudo. Mas e amanhã?
Pensa, então, em continuar até completar 70 anos. E, em segundos, muda de ideia novamente.
– Temos voluntários aqui com 80 anos! Como eu vou largar? É uma vida! Enquanto eu puder, vou fazer.
Continua na profissão que surgiu por acaso, mas ficou por escolha.
Cuidar é ato de amor, Clara bem sabe.
Assine História do Dia ou faça uma doação de qualquer valor AQUI!
Nos ajude a continuar contando histórias!
Querida amiga, Clara Lúcia. Desde que nos conhecemos nossa identificação foi imediata. Vi logo em vc um ser humano especial, caridoso e comprometido com o bem estar do próximo. Muitas foram as pessoas beneficiadas pelo seu trabalho e pela sua entrega. Sua recompensa está além desta dimensão, como acreditamos. Ainda assim, é sempre bom te agradecer pela amizade e pelo exemplo. E o faço em nome de todos que passaram de alguma forma pelo TMO. Nosso querido chefe plantou muitas sementes aqui. Vc foi uma delas! Bjo.
Dr George querido!! Vc bem sabe o que passamos juntos para construir a nossa casa!! Hj ela é uma realidade. Construímos tudo isso baseados no amor ao próximo e, com a certeza de um Ser Maior nos indicando o caminho a seguir.
Dr Julio escolheu-nos para fazer o florescer dessa casa. e, onde ele estiver está orgulhoso de nós!! De você por ter levado seus ensinamentos, sua humildade e seu amor incondicional pela profissão escolhida e pelo carinho que atende seus pacientes, que se tornam seus amigos. Sou grata a Deus por ser sua amiga!!! Te admiro demais, como profissional e como ser humano!! grande beijo!!!
Clara boa noite , estava mexendo no celular e procurei o gato e mim surpreendi com você, que está ótima .quem está escrevendo é gil esposo de Artemis. Nós ficamos aí em 2001 e graças a deus vocês e o gato existem. Dona Nelma como está.da notícias.