Gabriel: filho da Zenaide e da Casinha Azul

26 agosto 2020 | Gente que alimenta

 

Texto e fotos: Daniela Penha

Ilustração: Cordeiro de Sá 

 

As árvores cheinhas de flores brancas dão as boas-vindas. Na esquina da avenida, a casinha azul se destaca. Ali, crianças e adolescentes encontram caminhos.

Gabriel Montanheri Dalalio é conhecido além do nome. É chamado de “filho da casa”. Desde a adolescência, fez da “Casinha Azul” um quintal. Hoje, é coordenador da instituição que lhe abriu portas. A história começa antes, entretanto. Divide a coordenação com sua mãe, Zenaide Dalalio. Ela está ali há 14 anos, acompanhando o crescimento do trabalho.

Mãe e filho sincronizam os passos. Duas gerações na tarefa de fazer o bem!

– Filho da casa: que honra e que fardo!

Para ele, a nomeação vem acompanhada de responsabilidade.

– Quantos já passaram por aqui? Não sou o único. Mas esse é um caminho que não se compra. Se conquista com muito trabalho e transparência.

A casa é parte da sua história – e vice-versa.

– Eu sou daqui. A casinha me mudou.

Hoje, são 128 crianças e adolescentes atendidos, de seis a 14 anos, em duas turmas, manhã e tarde.

– Nós começamos com cinco crianças, em um espaço pequeno.

Zenaide relembra.

A instituição promove um trabalho de fortalecimento de vínculos com meninos e meninas em situação de risco, no Jardim das Palmeiras, em Ribeirão Preto. Gabriel explica: os riscos não estão só na vulnerabilidade econômica. Ali, atendem crianças expostas à violência, drogas, abandono.

– É um trabalho de toque, construção, tempo. Queremos promover a valorização dessa criança e desse adolescente. Quebrar um ciclo de hábitos, muitas vezes, agressivos.

Os pequenos e grandinhos têm aulas de música, esportes, recebem orientações sobre ética, cidadania, virtudes. O trabalho é pautado por quatro bases, que Gabriel chama de hábitos: amor ao próximo, organização, economia e saúde.

Os adultos do futuro, assim, aprendem sobre respeito, autonomia, preservação do meio ambiente, alimentação saudável, higiene, saúde mental: uma bagagem extensa para carregarem ao longo de todo caminho.

– Nós queremos dar autonomia para cada um deles, com as ferramentas para que se realizem e possam ir em busca do que precisam.

Em dias normais, a Casinha abre as portas às 7h e encerra as atividades às 16h. Oferece café da manhã, almoço, lanche da tarde. A instituição é uma das beneficiadas pelo programa Mesa Brasil Sesc Ribeirão. Desde o início da parceria, em 2013, a Casinha já recebeu 32 toneladas de alimentos, 2,5 toneladas só neste ano.

Em tempos de pandemia e quarentena, a instituição continua acolhendo as famílias. A equipe envia atividades on-line, monta cestas de alimentos e entrega para quem precisa.

Gabriel aguarda, ansioso, que logo a casa possa estar cheia dos barulhos da criançada correndo, dos adolescentes aprendendo música.

– Ter fome é muito triste. Você dá a comida, algo básico, e a pessoa te coloca no céu. É muito sério. Quando eu falo que trabalho aqui algumas pessoas dizem: ‘Trabalha com criança? Que fofo!’. Onde está a fofura? É a romantização da dor alheia. Esse é o fardo.

Casinha Azul Ribeirão Preto

Para contar sua história, Gabriel, 30 anos, passa pelas raízes. A presença da avó era diária. Com ela, ele aprendeu a cozinhar, lavar roupa, cuidar. Filho de pai marceneiro, mãe lutadora.

– Ela sempre fez de tudo: bolos, salgadinhos, costura. Depois que eu e meu irmão entramos na escola ela foi trabalhar como doméstica, olhava crianças.

O contato com a Casinha Azul teve início com o centro espírita, pontapé na fundação da instituição. Gabriel e sua família frequentavam o espaço religioso e começaram a ajudar no trabalho social. A Casinha começou em 2000, com cinco crianças e uma pequena área.

Zenaide e Gabriel participam desde o início dessa história. A mãe foi contratada para serviços gerais há 14 anos e depois se tornou coordenadora. Desde que tinha 14 anos, Gabriel é voluntário, frequenta os eventos, foi se tornando “filho”.

Quando estava com 15, 16 anos, ele passou a dar aulas de desenho para as crianças como voluntário. Os diretores da casa perceberam que o jovem levava jeito. Pagaram, então, um curso para que ele aperfeiçoasse o dom. Para a faculdade, também teve apoio de “padrinhos”. Fez Arquitetura com ajuda financeira para as mensalidades.

– Nas férias, eu ia para a Casinha. Essa ligação sempre foi muito forte.

Depois da formatura, Gabriel passou dois anos buscando espaço na área. Trabalhou, tentou opções, mas nada parecia completo. Foi chamado, então, para assumir uma turma de adolescentes na instituição em 2014. Duas educadoras já haviam tentado, sem sucesso. Era para ficar pouco tempo. Deu tão certo que veio o convite para ficar e, pouco depois, para assumir a coordenação, em 2015. Não foi mais embora.

– A Casinha me mudou mais do que eu contribuí aqui. É preciso ter uma bagagem de valores. Não é só técnica. É o olhar da tolerância.

Casinha Azul Ribeirão Preto

Com crianças e adolescentes, é preciso ser espelho. Os pequenos estão sempre atentos ao que o outro faz. Gabriel mudou hábitos e, hoje, ensina a mudar.

– O Mesa Brasil mudou minha vida!

Os hábitos alimentares saudáveis ficavam mais na conversa do que na prática. Até uma palestra que pôde assistir, pelo programa do Sesc Ribeirão.

A palestrante, ele conta, foi prática e sincera.

– Ela pegou no nosso íntimo, na nossa vida mesmo.

Ele passou a tomar mais água, consumir vegetais e verduras, a compartilhar isso com os meninos e meninas da casa e também com os outros funcionários.

– A gente incentiva que a criança prove tudo. Sempre conversando: você já comeu? Como sabe que não gosta?

Prática e teoria, agora, andam juntas! E é preciso. A instituição recebe doações de todo tipo de legumes e é necessária muita criatividade para que nada estrague, tudo se transforme.

– Não adianta receber e ir para o lixo. É preciso criar: o que dá para fazer com a berinjela de um jeito que as crianças irão gostar?

Gabriel, aos 30 anos, diz que está em dúvida sobre os caminhos que irá seguir. Pensa em voltar para a arquitetura, mas também em se aperfeiçoar na área social. Entende, de toda forma, que seu trabalho precisa ser ponte.

– Se eu sair não pode ficar um buraco. Temos que tentar transformar essas instituições em autossuficientes. Porque, senão, o fundador falece, por exemplo, e o trabalho acaba. Nós estamos lidando com vidas, com o futuro de pessoas.

De uma coisa tem certeza. Será sempre “filho”, que volta à casa e dela nunca se esquece.

– Eu amo a Casinha. Sou feliz em poder fazer parte dessa história. Isso me faz muito feliz.

A mãe, Zenaide, é só orgulho:

– Dentro de mim, é missão cumprida. Ele está encaminhado, está aprendendo e eu também aprendo muito com ele.

Na esquina da avenida, a casinha azul se destaca. Ali, Gabriel ajuda a mudar vidas e vê a sua também ser transformada.

 

 

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