Helena já está com a porta aberta. Me recebe com um abraço e bolo de laranja fresquinho. Logo, está falando dos filhos, do neto, mostrando as fotos da família espalhadas pela sala. Coloca uma brincadeira aqui e ali, entre uma frase e outra.
– Meu filho diz que eu sou brava. Que, por ser do signo de Capricórnio, fico batendo o chifre na pedra. Eu sou mesmo! E ele que é de Câncer e vive resmungando?
Cai na risada. E fica difícil imaginar a Helena de dois anos atrás.
A mulher espirituosa, acolhedora e cheia de força foi pedaços.
– Todo mundo acha que depressão é frescura. Sem remédio e sem ajuda, a gente não dá conta.
Pela depressão, Dulce Helena da Silva teve um surto e passou três dias desaparecida. Entrou em um ônibus e foi parar em São Paulo.
Em desespero, a família anunciou o desaparecimento em todos os jornais de Ribeirão Preto. Só aí, no extremo, Helena entendeu que precisava de ajuda.
Para quem passou a vida a cuidar dos outros, ser cuidada parecia fora de qualquer plano.
Helena cresceu na roça, com os pais e os oito irmãos. O pai tinha problemas de alcoolismo e, em casa, todo mundo tinha que ajudar.
Começou a trabalhar com 7 anos. Aos 12, a mãe a deixou em São Paulo, morando e trabalhando com uma família.
– As minhas irmãs também foram para casas de família. Só os caçulas puderam estudar.
A vida de Helena foi cuidar dos outros. Cuidava da casa dos outros, dos filhos dos outros e, quando aprendeu a cozinhar, se encantou.
Cuidar da comida dos outros sempre foi sua grande paixão.
Nas casas por onde passava, se afeiçoava, criava vínculos.
– Tem um menino que me chama de Nena até hoje! Vi ele crescer!
Trabalhou tanto que não conhece outra vida.
– Às vezes eu acho que já devia estar cansada de trabalhar. Mas eu amo. Se diminuir o ritmo, fico doente.
Hoje, aos 63 anos, trabalha em duas casas, faz bolos, tortas e outras gostosuras por encomenda, é ministra na igreja, diz que não tem paciência – e nem tempo – para assistir televisão.
– Quero continuar nesse ritmo por mais uns cinco anos, pelo menos. Certo?
A depressão de Helena começou com a morte do marido, em 2008.
O casal e o filho de 11 anos haviam acabado de mudar de São Paulo para Ribeirão Preto, em busca de uma vida mais tranquila.
O menino foi adotado pelos dois ainda bebê. Helena teve um filho de um primeiro relacionamento e com o marido dividiu a alegria da adoção.
Ele morreu de infarto fulminante, sem avisos, em uma tarde de trabalho.
– Eu virei pai-mãe e fiquei sem meu companheiro.
Helena tentou se levantar, sempre ignorando a tristeza.
Nessa época, cuidava de uma idosa enferma.
– A gente se apegou tanto, tanto, que nos três meses em que ela ficou internada eu ia visitá-la todos os dias.
Não conseguiu lidar com a segunda perda em poucos meses. Quando a senhora que tanto cuidava morreu, a Helena cheia de força se desfez.
– Foi muito duro ver ela morrer.
Ainda não estava disposta a inverter os papeis, porém.
– Eu achava que dava conta de cuidar da minha depressão sozinha.
Em uma manhã, Helena saiu de casa para o trabalho e pensava em fazer o caminho de todos os dias. Não sabe como, porém, mudou a rota.
Entrou em um ônibus e foi parar na rodoviária de São Paulo. Diz que se sentou em um banco em frente ao banheiro e ficou ali por três dias.
– Eu não sei se eu fui ao banheiro, se eu comi. Eu não sei o que aconteceu comigo…
Lembra de retomar a consciência quando uma senhora se aproximou e disse que ela atendesse o celular, porque sua família estava desesperada.
– Eu falei com o meu irmão e ele dizia para eu não sair de onde estava.
Voltou para Ribeirão e entendeu que precisava de ajuda.
– Eu não gostava mais de mim.
O processo de voltar a gostar passou por atendimento médico, remédio, terapia. Depressão é doença e precisa ser cuidada: Helena entendeu.
Helena diz que por muitos meses teve vergonha de sair na rua. As pessoas a reconheciam no ônibus, no bairro, em todo lugar pelas fotos que sua família havia espalhado.
– Se me perguntavam se era eu que tinha sumido, eu negava.
Hoje, não nega mais. Conta sua história como forma de alerta a quem, como ela, finge que o sofrimento não existe.
– Chegaram a me dizer que depressão é falta de um tanque de roupas para lavar. Mais do que eu trabalho?
Helena fala enfatizando os “Rs” e “Ss” das palavras, como se para garantir que elas saim com a devida força. No final de cada frase, emenda o questionamento: “Certo?”. E a gente consente com a cabeça.
Conta que outro dia o filho ficou doente. Era o primeiro dia em um novo trabalho. Ele dizia que não dava conta de ir e Helena replicava: “Dá! Você dá conta! Levanta, faz uma oração e vai”.
Assim fez o menino. Assim faz Helena.
– Olha, eu não gostava de viver, não. Mas hoje eu gosto. E gosto mais de mim. Quero ver meu filho formado, viajar. Certo?
Helena aprendeu a cuidar de si. Está mais que certo, Helena.
Parabéns Helena!!! Pura verdade!!! Só quem tem, para saber realmente!!!
Parabéns Helena!!! Pura verdade!!! Só quem teve, para saber realmente!!!