Anália criou o Banco de Leite de Ribeirão Preto

28 maio 2020 | Parte da gente

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Vale a pena ler de novo! História publicada pela primeira vez em 18 de abril de 2017!

 

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Era 1976. Anália conversava com o médico, enquanto uma funcionária preparava as plaquetas que seriam trazidas para o Banco de Sangue de Ribeirão Preto.

Era esse o motivo da viagem ao Hospital dos Servidores, em São Paulo: buscar sangue para os muitos pacientes com leucemia do Hospital das Clínicas de Ribeirão.

Entra pela porta um biomédico, dizendo que o aparelho que fazia o processamento do sangue estava cheio de leite e era preciso resolver o problema. “Que leite é esse, Dr.?”

Nascia ali, no questionamento de Anália, o Banco de Leite de Ribeirão Preto.

– Ele me mostrou que tinham um banco de leite instalado no mesmo espaço que o de sangue. Chegando em Ribeirão, eu falei: vamos montar o nosso banco de leite!

O banco ribeirão-pretano nascia como o segundo do estado de São Paulo e o quarto em todo Brasil.

Anália Ribeiro Heck já sabia quais seriam os frutos de tanta vanguarda.

O leite humano, ela frisa, reduz a mortalidade infantil, diminui riscos de doenças para mães e bebês e garante que os prematuros, que são maioria na UTI neonatal, tenham acesso à alimentação saudável.

– Saber que você foi útil e que deixou pessoas capacitadas para continuar o trabalho dá um orgulho muito grande. Não o orgulho de se ufanar. Mas o orgulho de dever cumprido.

Hoje, são mais de 200 bancos espalhados por todo território nacional, de acordo com informações da Rede Global de Bancos de Leite Humano – conquista da qual Anália também participou.

Em Ribeirão Preto, o Banco de Leite Humano alimenta, em média, 30 recém-nascidos ao dia. Completou 40 anos em 2016, com muitos motivos a comemorar: dos 57 bancos do estado, 30 são ligados ao banco ribeirão-pretano, referência no interior.

A Anália menina andava cerca de nove quilômetros todos os dias para estudar.

O caminho que levava da chácara da família (que ficava no Jardim Sumaré) até a escola (que ficava no Centro) era quase todo de terra.

Quando chegavam no trecho asfaltado, Anália e seus irmãos paravam na casa de uma tia e lavavam os pés na torneira, para não entrar na aula fazendo rastros.

– No ginásio, meu pai comprou uma bicicleta. Minha irmã ia pedalando e eu na garupa.

 

 

Na chácara, todos tinham uma função: pais e quatro filhos.

– A gente começava muito novo a regar as plantas, colher os frutos, as verduras, ajudar.

Conciliava os afazeres com a escola. E fala com nostalgia da goiabeira onde costumava se balançar estudando.

– Era uma vida de bastante trabalho. Nunca foi fácil, mas tudo foi construído com bastante esforço.

Anália escolheu o curso de enfermagem pelo exemplo da irmã, que já estava formada. Passou na USP de Ribeirão e durante os quatro anos do curso conta que morou na faculdade, para evitar a distância.

Se formou em dezembro de 1962 e em janeiro de 63 já estava trabalhando na unidade de emergência do Hospital das Clínicas, instituição de onde não mais saiu.

Quando criança, Anália gostava de declamar. Nas festas da escola, mostrava que levava jeito. Como incentivo, os professores contrataram um profissional em declamação. Queriam que Anália tivesse todas as ferramentas para escolher um futuro.

– Eu sei o quanto é importante ter algum tipo de ajuda, ainda que seja um estímulo.

Levou a lição para o hospital, numa carreira voltada ao outro.

A primeira paixão foi o Banco de Sangue, que Anália coordenou junto ao Banco de Leite por 26 anos.

Em situações de emergência, relembra que já deitou na maca e doou o próprio sangue para salvar vidas. Também já saiu na madrugada para levar leite ao bebê que precisava.

Quando o Hemocentro foi inaugurado em Ribeirão e as instituições foram separadas, ela ficou só com o banco de leite.

E continuou progredindo com a sua criação.

Conta, toda orgulhosa, que o estado de São Paulo é o único com dois centros de referência em banco de leite: Ribeirão Preto é um deles.

Participou do nascimento da Rede Brasileira de Banco de Leite Humano e viu ela ser transformada em Rede Global de Banco de Leite Humano.

Ajudou na multiplicação dos bancos pelo país e até mesmo mundo afora, como conselheira de países latino americanos na implantação do sistema.

Viu, acima de tudo, bebês sobreviverem.

– O prematuro é um guerreiro, um sobrevivente. Ele precisa de ajuda para tudo, inclusive para comer. Ele também tem direito de receber o leite materno.

Os bebês prematuros, Anália destaca, foram a razão principal da existência do banco de leite. Na UTI neonatal do Hospital das Clínicas, bebês com menos de meio quilo se tornam crianças saudáveis. O tempo de internação pode ser longo.

– O Ministério da Saúde percebeu que os bancos de leite traziam redução nos índices de mortalidade e morbidade infantil.

Daí, a política de expansão do modelo para todo o país.

Anália se aposentou aos 70 anos, porque era a idade máxima permitida.

– Infelizmente… As pessoas contam os dias para deixar de trabalhar. Eu nunca senti essa vontade.

Não deixou de atuar, porém. Aos 75 anos, continua no cargo de conselheira da rede de bancos de leite, participa de reuniões e da organização de eventos e, vez em quando, dá um pulinho banco que criou.

– A gente fez parte da história.

Fez e ainda faz.

Recentemente soube de um projeto pela internet: ‘Octo’. Na Europa, os bebês de UTI ganham polvos de crochê como companheiros de incubadora.

– Como os tentáculos do polvo têm o formato do cordão umbilical, o bebê se sente no ventre materno. Ele fica, assim, com a respiração mais tranquila, a frequência cardíaca mais baixa e isso traz benefícios.

Uniram um grupo de sete mulheres aposentadas e começaram a confecção dos bichos coloridos. Já estão com mais de 60, que serão distribuídos na UTI neonatal do Hospital das Clínicas.

– Se a gente pode fazer o bem, por que não fazer?

Espalha os polvos pela mesa, mostra toda orgulhosa os coloridos.

A ideia é que cada bebê tenha seu polvo e que, quando a alta chegar, possa levar o bichinho para casa.

Anália não é do tipo que fala muito.

– Eu sou mais de fazer. Meus pais nunca foram de abraçar e beijar, mas foram os melhores pais que eu já vi. A palavra amor está muito vulgarizada. É preciso demonstrar.

Há dois anos, viveu a dor maior da vida. A dor que ajudou tantas mães a superarem, nos corredores do hospital.

A filha caçula faleceu em um acidente de carro.

– Foi horrível. Só quem tem filho pode saber.

Anália seca as lágrimas.

– Ela foi uma filha maravilhosa. Eu sinto, mas não tenho remorso de nada. Só tenho a agradecer.

Mais uma vez, faz valer o lema sob o qual construiu sua vida.

– Na vida o objetivo não é não errar. É conseguir consertar os erros.

Diz que, por toda essa história, se sente realizada.

E faz planos para o futuro. Todos voltados ao trabalho de continuar levando vida a quem precisa.

– Você deve fazer a sua parte. Se mesmo assim não der certo, é sofrido, mas não tem culpa. Porque tudo o que tinha que ser feito, foi feito. Fazer as coisas da melhor forma nos dá paz.

Era 1976. Anália, sem saber, deixava um legado ao mundo.

 

Banco de Leite Humano de Ribeirão Preto

Fica na avenida Santa Luzia, 387 – Jardim Sumaré

Para mais informações: (16) 3610-8686

 

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https://vlibras.gov.br/

 

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