José Maria toca trombone na Orquestra Sinfônica de Ribeirão há quase quatro décadas

17 novembro 2022 | Destaque, Patrimônio em Memórias, Projetos especiais

Esta história faz parte do projeto “Patrimônio em Memórias” realizado com apoio do Proac LAB, programa da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo.

Texto e fotos: Daniela Penha

Ilustração de Luciano Filho, exclusivamente para o projeto “Patrimônio em Memórias”

A porta estava aberta. José Maria passou e escutou o som da orquestra, nesses acasos predestinados da vida. 

Entrou. 

O trombone tocou mais alto em seus ouvidos que, até então, vibravam pela percussão. Depois que se encontraram, José Maria e o trombone, não houve mais separação. Trocou de trombone algumas vezes, é verdade. É preciso buscar sempre o melhor acorde. Mas nunca mudou o tipo de instrumento. 

José Maria e seus trombones escreveram história na Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto e, como palco dela, no Theatro Pedro II. 

Theatro Pedro II

Uma porta aberta

Ele escolheu uma bela data para debutar no palco do Theatro. Reinauguração do suntuoso espaço, depois de 16 anos fechado. 

O incêndio, em 15 de julho de 1980, quase levou abaixo o patrimônio de Ribeirão Preto. Foi preciso união da sociedade civil, empresários e poder público para levantar o que o fogo queimara.

Noite de casa cheia. Os convites foram criteriosamente distribuídos. Os nomes mais influentes da cidade estavam na plateia. Do lado de dentro, na coxia, José Maria escondia a ansiedade no semblante sempre sereno. 

Os colegas falam que ele é uma “pedra de gelo”. 

Será mesmo? 

– Se não der frio na barriga não tem graça. Mas não pode ser excessivo, senão é sinal de que você não está preparado. 

Em agosto de 1996, com um frio controlado na barriga, José Maria se apresentou para a plateia de quase 1,6 mil pessoas que celebraram a reinauguração do Pedro II. 

Depois, o espaço se tornaria o palco principal de suas apresentações. 

Há 38 anos, o trombonista integra a Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto, que tem como palco principal para ensaios e apresentações o Pedro II, patrimônio histórico da cidade, espaço de afetos e inumeráveis histórias, cenário de encantamentos. 

– O palco é um lugar sagrado. Pisou tem que respeitar. 

José Maria trombone Pedro II Orquestra

Raízes e marcas

José Maria Lopes nasceu em Goiás, Quirinópolis. Quando ainda era criança, a família se mudou para Pradópolis, região de Ribeirão Preto. Ainda assim, ele explica pelas raízes o gosto musical. 

– Nascido em Goiás, o que acha que eu escuto? 

Nos dias de folga da orquestra, o músico, especialista em clássicos, aumenta o som no sertanejo. Tem a coleção completa do Milionário e José Rico e não dispensa Tião Carreiro e Pardinho. 

– Música é música! 

Na família, teve um tio que tocava trombone, mas não tinham muito contato. Por isso a surpresa quando José Maria não quis seguir o sonho do pai. Ele queria que o filho fosse jogador de futebol. E o menino até tentou, mas em segredo pedia para o técnico esquecer do seu nome na escalação das partidas. 

Deixou os campos logo, como é de se imaginar. 

O pai era mecânico e a mãe cozinheira. José Maria é o segundo mais velho de seis irmãos. 

– Era muita dificuldade para sobreviver… 

Aos sete anos começou a trabalhar em uma farmácia. Um pouco depois, a família se mudou para Ribeirão Preto. Quando tinha por volta dos 13, 14 anos, entrou em uma empresa de máquinas agrícolas. 

Nessa mesma época, começou a tocar percussão na fanfarra da escola Amaral Mousinho. 

Então, encontrou aquela porta aberta e foi seguindo o som… 

Precisou insistir para que o trombonista da orquestra topasse ser seu professor. 

– Ele me enrolou por dois meses. Depois, fiquei quatro anos em aula com ele. 

Dividia a rotina de música e estudos com trabalhos. Antes de entrar para a orquestra, foi projetista mecânico em uma empresa. 

José Maria trombone Pedro II Orquestra

Estudo e dedicação

É preciso muito estudo para viver de música, ele faz questão de ressaltar. 

Na década de 80, entrou na Universidade Livre de Música de São Paulo e se desdobrava para estar na capital em alguns dias da semana para o curso técnico. Cursou faculdade em 2016, já aos 52 anos. E seguiu estudando, somando duas pós-graduações.

Comprou seu primeiro instrumento trabalhando e tocando em bailes. O pai também ajudou com uma parte. Um trombone a altura da orquestra chega a custar R$ 40 mil hoje em dia. 

Aos 18 anos, em 1982, se tornou músico oficial, aprovado no concurso da Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto. Título que carrega com todo orgulho. 

– Eu sou comprometido com isso aqui. Se a orquestra tem problema, eu tenho também. 

Título que carrega com dedicação. 

– Tem que gostar da profissão e estar preparado, senão nem senta nessa cadeira. Precisa estar preparado tecnicamente, musicalmente e psicologicamente. A pressão é grande.

São duas horas de estudos práticos por dia, no mínimo. Quando o músico chega para o concerto, precisa estar preparado, afiado, afinado. 

A orquestra completa reúne 90 músicos! É preciso muita sintonia – e treino – para uma boa melodia! 

– Requer técnica, muito estudo, porque tem muita coisa acontecendo ao mesmo tempo. Se um desafina, dá para ver nitidamente. 

Mas ele ressalta: não adianta querer escapar. Todo mundo erra – até músico de orquestra. 

– Sua hora chega quando você menos espera.

Por isso tanto preparo prévio. 

– Tem que ter o respeito com os colegas, com o maestro e com a música. É um trabalho em conjunto. Sozinho não se vai a lugar nenhum. 

No cotidiano, é preciso regra. 

– O corpo tem que estar em dia, a saúde perfeita. Para tocar, você precisa de resistência física! 

Por isso, diz que até toma bebida alcoólica, mas “com o freio de mão puxado”. 

– O maior inimigo do instrumento de sopro é o álcool, porque enfraquece o músculo da face. 

José Maria trombone Pedro II Orquestra

Aposentadoria?

A rotina é da casa para a orquestra e, uma brecha, nos dias em que dá aulas em uma escola de música. 

A preparação para o espetáculo começa meses antes. No dia do show, é preciso tranquilidade. 

– Se deixar o coração bater mais forte, vai para o espaço. É difícil esse controle, mas tem que ter. 

José Maria teve quatro filhos, mas nenhum seguiu o caminho musical. Ficou viúvo recentemente e andava pensando em se aposentar, comprar um lugarzinho no meio do mato e viver sem se preocupar com os relógios e as regras. 

E a saudade do palco? 

– A música é minha vida!

Ainda não teve coragem de colocar o plano em prática. A orquestra toca mais alto! 

No Theatro Pedro II, coleciona grandes histórias. As trajetórias do teatro e da orquestra estão entrelaçadas, afinal. 

– É um teatro muito lindo! São tantas histórias ali que é difícil de lembrar uma… 

História do patrimônio

Theatro Pedro II: palco de encantamentos 

O Theatro Pedro II nasce como resposta à efervescência cultural que contagiou Ribeirão Preto na década de 20 e teve como pano de fundo o apogeu da cidade como pólo cafeeiro e cervejeiro, com as fábricas de cerveja que se fixaram por aqui. A proposta de empresários influentes da época foi criar um grande teatro de ópera inspirado em projetos europeus. 

Criaram, assim, o terceiro maior teatro de ópera do país. 

Ainda com a crise de 1929, que afetou a produção cafeeira, o teatro foi inaugurado em outubro de 1930. A historiadora Gisele Laura Haddad pesquisa a história de Ribeirão. No artigo “Nascimento, Morte e Ressurreição do Theatro Pedro II, palco da Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto (SP)” ela revela que a crise fez com que houvesse modificações no projeto, mas a ideia do teatro permaneceu viva. 

Houve um plebiscito na cidade para a escolha do nome do Theatro, tendo ganhado o último imperador do Brasil. 

“Por sua excelente acústica, o Teatro Pedro II é considerado um dos melhores teatros da América Latina, destacando-se para a realização de concertos sinfônicos e em especial ópera (de acordo com seu projeto inicial), incluindo-se fosso com elevador para orquestra abrigando cerca de sessenta músicos”, escreve a historiadora Gisele. 

O Theatro possui capacidade para 1588 espectadores em sua sala principal, além de acomodar 200 pessoas no Auditório Meira Júnior. 

O subsolo era chamado de “Caverna do Diabo”. Ali, entre 1959 e 1979, aconteceram históricos – e ainda comentados – bailes de carnaval. 

Em 15 de julho de 1980, um incêndio destruiu o teatro. A reconstrução veio com união da sociedade civil e poder público, após protestos incansáveis. 

Em agosto de 1996, o Pedro II foi reinaugurado. Naquela noite, da qual participou José Maria, houve um concerto da Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto e o Coral do Teatro Colón, de Buenos Aires, apresentando a abertura Il Guarany de Antônio Carlos Gomes e a Nona Sinfonia de Ludwig van Beethoven. 

Theatro e Orquestra: histórias emaranhadas 

Em seu artigo a historiadora Gisele ressalta a ligação entre o Theatro e Orquestra: “O vínculo Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto e Theatro Pedro II é tão intenso que é comum o Theatro ser confundido entre a população como sendo a sede da Orquestra”. 

A historiadora conta em seu artigo que, até conseguir uma sede própria, em 1958, a Orquestra buscou espaços onde pudesse ensaiar, sendo acolhida pelo Pedro II. As duas instituições surgiram quase simultaneamente. O Theatro foi inaugurado em 1930 e a Orquestra oito anos depois. 

O concerto inaugural da Orquestra foi realizado no palco do Pedro II, que depois se tornou o principal espaço das apresentações. 

Quando o teatro foi destruído, a orquestra fez um concerto protesto em sua esplanada. 

Ainda hoje, o palco do teatro é onde José Maria mais se apresenta. Ali, são realizados os principais concertos da Orquestra da cidade. Duas grandes instituições, que se unem pelas artes e escrevem histórias inesquecíveis de encantamento.

Conheça mais sobre o Theatro Pedro II:

https://www.theatropedro2.com.br/

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1 Comentário

  1. Ana

    Isso mesmo bem assim que eu te vejo meu tio sempre me contando suas mil histórias vividas . Orgulho de ouvir tudo isso da sua boca e hoje ver publicado .
    José Maria do Trombone, sucesso sempre tio te amooooo

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